sexta-feira, 12 de junho de 2009

outono em são paulo




















Acordar e levar todos os sons, finalmente, para a assistência técnica. Apoiado sobre minha vitrola em uma loja na pedroso de morais, o cara ao lado, cliente como eu: “eu não sabia que eles arrumavam toca discos aqui”.

-       - arrumam em todas as lojas dessa rua, vitrola é a última moda.

Depois ele perguntou se eu tinha fogo e foi fumar na calçada esperando eu ser atendido.

 

Aí sempre vem um episódio dramático envolvendo trânsito. Em alguma esquina você vai querer aproveitar o sinal verde. Todos apegam-se aos últimos resquícios de um sinal verde aqui. Uma mulher nos olhará com a cara que nós olharíamos para nós mesmos, se conseguíssemos nos olhar. E a Teodoro Sampaio vai estar engarrafada. Uma quadra depois mudaremos nosso itinerário. Voltaremos para casa, pegar um documento esquecido e comer alguma coisa. Sonhadores, planejamos um dia sem contratempos.

Depois seguir para outra assistência técnica onde o outro som seria finalmente trazido de volta à vida. Nossos aparelhos como filhos internados temporariamente em um hospital onde não podemos entrar. Não posso falar sobre dor. A dor de verdade não está aqui.

É outono em São Paulo e, por coincidência, também é o dia em que devemos ser felizes. Mesmo diante do arrependimento, da dúvida, do nunca mais para sempre. É o dia de pensar no que já fizemos. No que pensamos que faríamos. Nas datas comemorativas eu sou um cartão postal enviado para mim mesmo, muito tempo depois de antes.

A rua dos pinheiros parada. Olhar em volta é descobrir atalhos velozes. E você descobriu um atalho veloz. E quando é você quem descobre um atalho veloz, as minhas costas se encaixam ao motor do seu carro e, por um instante, as rodas são um rio forte e perigoso. As árvores voando no alto escondem o céu. Condenam todos os apartamentos á sombra eterna. O carro preto. O asfalto escuro. As copas. O dia cinza aqui embaixo. Dentro do carro.

Depois eu desci no topo da paulista e você foi embora. O conunto nacional visto da alameda santos é um conforto que só essa cidade me dá. O conjunto nacional é sempre um lugar onde algo pode acontecer. onde algum encontro inevitável irá se dar. Assuntos sem nenhum controle. Mas agora é outono. No outono, todos perdemos um pouco as folhas. No outono, sempre nos preparamos para o essencial. Há um inverno pronto para acontecer.

Parado em frente à gôndola de moleskines, passei os olhos por toda a extensão de cidades. E me vi interessado em escrever o diário de bordo sobre uma cidade que nunca fui. Escrever o meu itinerário diário que não foi traçado. Viver um romance no limite do pensamento e das anotações da viagem. Os cafés onde eu teria pensado em você. Todos aqueles moleskines com nomes de cidade eram romances e vidas que eu poderia ter para mim. Eu não estava sozinho. Eram muitas pessoas se acotovelando à procura da sua cidade. eu peguei Berlim. A mulher ao lado escolheu Lisboa. Foi de Lisboa que voamos juntos para Berlim pela primeira vez.

Ela pagou. Depois eu paguei. Lisboa desceu as escadas do cine Bombril e Berlim entrou na papelaria quase ao lado.

Papel celofane vermelho, azul e verde (RGB) para forrar todas as janelas da casa. papel de seda branco para embalar Berlim. A cor da neve. Um metro de fita azul escuro, da cor do nosso primeiro uniforme. Um envelope branco e um cartão branco no tamanho correspondente. Uma caneta marrom. Da cor dos teus cabelos.

Depois descer até a Lorena. Imaginar uma vida diferente em cada quarteirão. Bon Iver cantando baixinho nos meus ouvidos. Alguma coisa me diz que teremos um bom inverno. Talvez o melhor inverno das nossas vidas. Dobrar à direita na Lorena. Um chá no Suplicy.

Depois trocar mensagens. Almoçaremos juntos.

Um chá enquanto empacoto. A beleza do pacote veio da rapidez e certeza com que ele foi imaginado. Poucas vezes a precisão de um laço de cetim azul marinho sobre o papel branco foi tão rápida e segura. Deve ser a certeza que alguns presentes escondem.  A surpresa final não depende de mim.

Sentar no Jaber e esperar você chegar. As mesas na calçada, o vento gelado descendo a João Manoel, o espaço árabe há duas quadras. Trocamos mensagens. o almoço seria lá. a vida em são Paulo pode se resumir à almoços. Cafés. E carros. E lojas.

Um envelope vermelho e dois ingressos para Cat Power. Às vezes você consegue ler desejos que eu pensava disfarçar. Você sente todos os cheiros. Fareja qualquer indício mas rejeita todas as evidências.

A precisão do laço desfeito. A impaciência do papel amassado. O sorriso diante da palavra "Berlim". Quantos significados podem conter seis letras perfeitamente ordenadas?

Depois café, jornais e silêncios. Comentários na hora certa. Ironias compreendidas. Outono em são Paulo. Os galhos estão expostos.

Depois mercado. Os educados passeando carrinhos. Os casais explorando embalagens. Os pais alimentando sozinhos uma cobertura vazia.

A mulher em frente conversando com a atendente do caixa. Meus olhos impacientes. A mulher loira perua conversando e eu batendo os pés. cruzando braços. Procurando, desesperadamente, um olhar de cumplicidade. A perua sem noção. A filha da puta sem noção.

Quando nossos olhos se cruzaram a perua sorriu com a ironia dos que simplesmente sabem o que são: “você dever estar me odiando, eu falo demais, não é?!”

-       - que isso. Eu só estou nervoso com o meu carro, lá fora.

 

Terminou de pagar as contas. Pediu à moça do caixa um troco mais “quebrado” para dividir a gorgeta. Depois, calmamente, foi até o lado de dentro do caixa, abraçou a atendente dizendo coisas tipo: “tem um sofá enorme que você vai adorar. Você gosta de inverno? Se você quiser a gente pode fazer nesse inverno.”

Depois beijou o rosto da atendente e veio até mim. Olhou para as minhas compras e acariciou o meu ombro: “desculpe meu querido você deve estar me odiando. Mas tenha um lindo jantar.... hum, pelas suas compras tenho certeza de que será incrível. Tchau querido!”

 

 

Agora é noite. Chet Baker toca na televisão. nossos filhos estão longe mas, logo mais, todas as janelas serão coloridas pela transparência dos celofanes.


A cidade acontece em algum lugar longe de nós. a noite será fria e não temos nenhum compromisso com a realidade.











- eu tento me divertir. eu sempre tento me divertir.

2 comentários:

E.F disse...

lindo dia... as folhas que agora caem das árvores não são as mesmas que depois nascerão. mas isso pode ser bom!

geheimnis disse...

sai daí agora!

Twitter Updates

    follow me on Twitter

    Seguidores

    igetu