sábado, 24 de janeiro de 2009

na sala toca um disco do elton john. e eu gosto de elton john. ele me lembra de um tempo que eu não vivi. ele me faz familiar de coisas que não conheci. você também gosta de elton john. você trabalha no seu computador e eu escrevo no meu. nos encontramos nas dobras dos nossos trabalhos. dormimos sobre as dobras de um mesmo colchão. mas as nossas mãos quase não se encontram no meio da noite. eu sempre desconfio das medidas que os outros usam para o amor. 
o seu analista te explicou que eu sou sensível demais. o seu analista me explicou, sem querer, tanta coisa sobre mim. às vezes eu penso que a minha analise é feita de sobras de análises dos outros. coleciono cada frase dita pelos analistas que não me analisam. e chego a acreditar que a minha análise é feita das frases que me são dadas pelos outros. gosto de escutar conversas sobre analistas. gosto de saber de diagnósticos. de frases de impacto.

"onde você se apaixona?"

o analista de um amigo falou para ele na primeira consulta. e meu amigo nunca mais voltou alegando ser uma pergunta simples e, ao mesmo tempo, preconceituosa demais. "como assim apaixonar? Eu não preciso me apaixonar". e meu amigo continuou sem análise. eu guardei a frase. ou roubei. ou simplesmente aceitei a pergunta e joguei para dentro de mim mesmo. sem nunca achar uma resposta.

"ele é sensível demais"

foi o que o seu analista falou sobre mim. faz dois dias que você me contou isso. e eu não paro de pensar nesse triste veredicto sobre mim. faz dois dias que eu penso que talvez o melhor, para os sensíveis demais, seja ficarem para sempre sozinhos. eu sinto que é difícil demais ter pessoas perto demais de mim. sou sensível demais. e podem me machucar sem saber.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Gosto de exercitar a escrita sem edição. A escrita como uma palavra falada. A frase dentro da frase. Gosto da escrita como uma sucessão de idéias que partem de algum lugar de onde não lembramos e seguem por um rumo cujo final sempre desconheceremos.  Aqui é noite agora e agora eu escuto rádio. Uma rádio daqui dessa cidade. uma rádio que toca musicas que gosto. Acabou de tocar “why Don;t you come over here? We have a city to Love” e eu lembrei de um domingos alguns anos antes de agora. De todas as bocas que passaram por mim naquela noite. De todos os olhos que paravam em mim naquela época. Não faz tanto tempo assim.  Mas não sei lembrar quanto. Às me deixo pensar no que eu fui antes de agora. isso não é sempre. Só acontece sempre um pouco antes de você partir. Às vezes preciso lembrar para mim mesmo como eu era feliz sozinho. Serve para que eu não sofra demais caso você não volte.

Quando eu comecei a escrever eu escrevia para testemunhar os meus dias. Se escrever é antes por alguém, não para, eu escrevia por mim. rascunhava os meus dias e os meus dias eram do interesse de ninguém mais que não eu. Por isso as mortes. O medo de ser descoberto. A vontade e o não querer  ter um dias as palavras roubadas. A vontade e o não querer ser alguma coisa maior do que eu era. A vontade e o não querer sobre tudo o que era incerto.

Numa noite de inverno eu estava sentado em uma festa. A festa estava cheia, mas eu estava sozinho. Eu estava sozinho sentado em um banco encostado contra a parede. A parede era suja, mas talvez eu fosse novo demais para perceber. As coisas feias da vida vão ficando mais feias conforme envelhecemos. Talvez envelhecer seja ver o lado feio de tudo. Quase sempre acredito que eu nasci velho. E rejuvenesço quando, antes de dormir, constato que o saldo do meu olhar foi menos belezas do que feiúras. E a sua beleza cresce debaixo dos lençóis do outro lado da cama. Tão longe de mim.

Quando nos conhecemos falamos horas a fio sobre os mesmos filmes. alguns olhos certamente passearam por nós, mas não notamos. Perdidos nos olhos um do outro, talvez fôssemos novos demais para entender que nada dura para sempre. E que as verdades sobre a vida nunca eram menos óbvias do que aparentavam. Você me queria e eu também. Mas não. Na primeira noite nunca.

Agora você foi dormir. Antes de deitar passou no meu escritório e perguntou se eu tinha sono. respondi que não. Você perguntou o que eu estava escrevendo a essa hora da noite. Respondi que era uma nova idéia. Que estava sem sono. você pediu que eu baixasse o som ou que fechasse a porta. Baixei o som, pedi que me beijasse, você me beijou, depois eu fechei a porta enquanto as suas costas desapareciam no escuro da nossa cozinha.

Hoje temos nossa cozinha. Nossas louças sujas. Nos queremos. Nos desejamos. Mas às vezes fingimos que não. Hoje eu te amo. Segunda você vai embora. E é sempre preciso lembrar da vida antes de você. Antes de você partir e nunca mais voltar.

Você ainda não sabe, mas um dia vai saber. Sempre haverá um cara melhor do que eu. Talvez você já saiba, mas não quer admitir. As separações são longas e dolorosas. Você também. Cicatrizávamos quando nos encontramos. Talvez agora você durma. Talvez pense em um outro melhor do que eu. Todos os outros são melhores do que eu. O radio toca um r’n’b. Um negro grita baixinho no fundo da noite. E sempre, antes de dormir, eu me pergunto como foi que eu vim parar aqui. E sempre durmo sem saber.

 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

os dias estão estranhos aqui na grande cidade. os dias estão cheios desde o dia em que cheguei. mas eu não vou. e eu não quero. e eu acho que eu não sei mais querer as coisas que um dia eu quis. é como se tudo tivesse perdido um pouco a graça. pessoas morreram em 2009. pessoas morrerão. hoje eu estava em uma festa. e nessa festa uma mulher não sorriu para ninguém. duas vezes ela sorriu para mim. e eu não sorri de volta. depois da sobremesa ela foi embora sem se despedir. uma menina veio me dizer que ela iria começar a quimioterapia amanhã. ela fumou um baseado. comeu um prato de comida e no meio do prato de comida ela riu para mim pela primeira vez. depois comeu sorvete de chocolate e entre duas colheradas ela sorriu para mim mais uma vez. quando eu fiquei na janela olhando para a cidade e sentindo o vento nos meus cabelos, ela olhou para as minhas costas. e ela sorriu para mim. sorriu tão forte que eu não precisei ver para sentir. 

depois ela foi embora. saiu arrastando a saia indiana que não combinava com a decoração da casa. antigo demais para aquelas pessoas. seus cabelos tingidos de um jeito infantil. o sofá de couro. a mobília antiga. o disco novo do franz ferdinand. e os sorrisos que ela emitia sem resposta.  depois ela foi embora. desceu os cinco andares do prédio sem carregar sorrisos. 

quando fiquei sozinho na cama tentei entender o que ela havia procurado naquela noite. na última noite antes da quimioterapia. o mundo é mais difícil para os doentes. antes de deitar você reclamou de alguma coisa sem importância e eu contei sobre o câncer da mulher que saiu no meio da festa. você se sentiu mal e era isso o que eu queria. você parou de reclamar e essa que eu queria. você não dorme na nossa cama. eu estou acordado na parte mais fria da casa. não era isso o que eu queria.

eu queria que ela não morresse. 

se os sofrimentos são sem sentido a morte sempre perde o significado. mas eu ainda tento entender os por quês dos sorrisos que não retribuo. dos telefones que não atendo. das cartas que não recebo. e nunca encontro resposta para o meu próprio silêncio.
há insônia em mim. meu organismo contamina-se de insônia e meu corpo dói. trago palavras que não são minhas. às vezes me pego falando uma língua que não entendo.  penso no dia em que deixaremos de nos amar. quem de nós vai sofrer mais? penso nas pessoas que morreram. nas que morrem. nas que morrerão. todas estão vivas. 

os rios desviam do leito toneladas de lama. o mundo está em fúria. as feridas foram todas abertas. e eu queria saber dormir.

há ansiedade dentro de mim. e, estranhamente, hoje eu não sei fazer mais nada a não ser trancafiá-la ainda mais.

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