terça-feira, 25 de agosto de 2009

Estou sentado na sala de casa vendo televisão e esperando. Mais um avião amanhã e amanhã mais um pouco de medo. Penso em levar o que não pode ser levado. Não levarei. Espero abrir a gaveta do meu quarto e encontrar restos de um sonho. Se estiver mofado, pretendo não ligar. Pensei em pedir para a minha mãe guardar no freezer, mas empregada poderia descobrir e contar tudo para as vizinhas. Se estiver mofado que se foda. Eu não vou morrer disso. Já passei dessa fase.

Sandra fala na televisão. Está curada da gripe quase mortal. Vera ainda sente febre? Se sim será melhor. A febre mortal dura quatro horas, depois desaparece, depois volta para matar. Você me disse isso ontem quase dormindo voltando para casa. Você sabe quase tudo sobre as probabilidades de nunca mais estar. Você atravessa o significado das minhas palavras, enxerga coisas através das paredes que eu penso me proteger. Eu tento. Eu finjo. Eu penso que não. Mas é para você que eu escrevo. Você pensa. Você duvida. Você acredita que não. Mas você sabe para que eu estou falando agora.

Não foi por isso que você chegou até aqui? Para estar suscetível a? But today I donno why? I feel a Litlle more blue than then!

Vamos todos pro sul no sete!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Toca Jethro Tull. Sempre preciso de um estímulo externo para começar a escrever. Ou para voltar. Às vezes as pessoas mais improváveis nos dão os presente mais significativos. Como esse disco do Jethro Tull que toca agora. Às vezes as pessoas mais silenciosas fazem os comentários mais pertinentes. Como a pessoa que me deu esse disco do Jethro Tull. Na sala, o único que está em silêncio, geralmente é o que tem mais a dizer.

“Calma externa e ansiedade interna”, teu nome é Tuane.

A importância das longas viagens é saber respeitar o não acesso. A sabedoria da internet é respeitar o que nunca será revelado: a realidade do mundo antes de conhecer. Saber enxergar por conta própria sem nenhuma necessidade de dividir as opiniões com ninguém que não seja o companheiro de viagem é não dar importância ao que não está aqui. O que não está aqui nunca estará. Nascemos com o que temos e isso não tem nada a ver com determinismo. É só um jeito de acreditar em si.

Talvez o seu companheiro de viagem seja aquela senhora de sapatos prateados que sentou no nosso lado naquele trem que foi de Locarno para Lugano. Talvez o meu companheiro de viagem tenha sido o meu avô que morreu exatamente no dia em que eu entrei no castelo de Montegufoni para passar três dias na parte mais quente do mundo. Nos campos de oliveiras e de girassóis secos que margeiam todas as pequenas estradas perdidas da Toscana eu via o fantasma do meu avô desencarnar e me dizer adeus caminhando entre as elevações cor de laranja. A Toscana é uma Ceva 20 infinita. Poucas pessoas sabem do que estou falando. Estar na Ceva 20 numa noite de verão. Numa tarde de inverno. Numa manhã nascendo depois de uma noite de loucuras. Um nariz quando sangra. Arrependido. Esperando mais um soco antes de nunca mais dormir.

À luz do dia os mortos são apenas a poesia, a sabedoria e os sorrisos que existiram antes de partir. No meio da noite é sempre complicado ver o lado bom do mundo. Enquanto um oriente for feito de luz, o lado de cá precisará acreditar que é claro que o sol vai voltar amanhã mais uma vez.

Jovens não falam sobre Jethro Tull. Eles não me dariam o presente que você me deu: um disco do Jethro Tull para eu ouvir nessa manhã de segunda-feira.

A sabedoria da estrada é saber desligar a câmera na hora certa. A esperteza do fotógrafo é acostumar-se ao objeto para transcender a primeira camada, aquela que só diz respeito ao externo, ao que nunca viu, ao que não saber o que significa se acostumar. A primeira camada só diz interesse para o que nunca foi. Ou o que nunca irá.

Sobre a paisagem: logo as fotos serão reveladas.

Sobre Google maps diary: um dia voltarei à você.

domingo, 23 de agosto de 2009

Viajar é ter menos tempo para pensar. Chegar em casa depois de um mês longe dela implica não conseguir dormir. Encontrar os amigos, depois de um mês longe deles, implica não saber por onde começar. Aceitar o risco de não se reconhecer à primeira vista implica esconder as fotografias para um dia depois de hoje.

Os discos estão aqui, no lugar onde sempre estiveram, mas meus ouvidos ainda não chegaram. Ainda não estou, apesar de já. A bagagem voltará aos armários. Cada quilo excedente deixará o meu rosto. Cada gota do suor que brotou longe daqui será lavado de todas as camisetas que ainda estão presas dentro da mala. As garrafas de vinho serão abertas quando eu sentir saudade do que passou. É preciso que se apaguem os vestígios para entender o que sobrou.

Estar em casa não é equivalência para voltar. Voltar é não estou. Voltei sem ter chegado. É preciso respeitar o espaço do ainda não.

A água que molhou os meus cabelos no banho que acabo de tomar tem o cheiro do encanamento do prédio onde moro, mas meus órgãos internos ainda são feitos da água que existia do outro lado do oceano no tempo em que estive lá. Ontem. Quase hoje. Amanhã um pouco mais. Cada dia um pouco menos até ser outra vez.

Cruzar um oceano é não sucumbir ao pânico de se perder.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

google maps diary - Dallas/A 380 - Decatur

Decidimos pegar a 35 na direção de Albuquerque. Os primeiros quinze minutos, até o acesso à Carrollton serviram para eu lamentar não termos seguido por Fort Worth. A distância entre Dallas e Fort Worth é um trecho de muitos significados que eu conheço através de histórias que você me conta. Foi onde você passou a sua adolescência sem saber que habitava a terra natal de Townes van Zandt. Fico imaginando quantas vezes você, aos quinze anos, fez o trajeto entre essas duas cidades. Dallas-ForWorth. Você sentia as coisas do jeito que você sente hoje quando cruzava Dallas – Fort Worth - amor? Mas não. 
Nessa viagem nós pegamos a 35 e eu não sei se o caminho entre Dallas e Albuquerque é místico para alguém que talvez eu devesse conhecer. Pensei em consultar meu colega de viagem, mas não queria desperdiçar a sua memória com questões inúteis. Eu que tratasse de mistificar aquele pequeno trajeto que estávamos prestes à tomar. Como não prevíamos, ficávamos em silêncio ouvindo aquela canção melancólica que tocava numa estação qualquer enquanto as cidades desabitavam o começo da tarde de domingo. Pensei no caminhoneiro. Pensei que se ele tivesse comido nhoque tudo teria sido totalmente diferente. Por um tempo meu pensamento viajou por uma estrada de possibilidades “se tivéssemos”, mas logo voltei à 35. Às suas construções feias. Ao asfalto refletindo o calor do meio-oeste. Olhei para meu colega e pensei “estamos aqui cara”. Ele dirigia seguindo o GPS interno. Mais uma das infinitas facilidades do Google chip.
Se aquela não fosse a rota certa, pelo menos continuávamos com nosso Volkswagen K70 69, o pior carro produzido nos anos 70. Tínhamos um ano de vantagem sobre os outros competidores e a viagem só encontrou um pouco de sossego depois de Carrolton. O trecho Carrolton – Texas é muito feio. E ainda não era místico para mim. Talvez nunca seria. Talvez não devesse ser.
O problema da 35 é que ela é muito feia. Parece que estamos infinitamente andando de canoas para porto alegre. Detroit-Canoas-amor, mas isso é outra coisa. Talvez tenha sido isso. O excesso de cimento na estrada de Canoas. O asfalto por todo o lado. O vazio de vida. E a vontade de sair do Texas para chegar logo na Califórnia. Optamos por sair da 35 e experimentar a 380 até Decatur e de lá seguir para Wichita Falls. Talvez a estrada fosse mais verde. Mais natural. Mais countryside. Lembrei da casa que Frank Loyd projetou em uma queda e cogitei em consultar meu colega, mas aquela era uma informação boba demais para ser pesquisada. 
A 380 é uma estrada em linha reta de mão dupla. 
No caminho o meu colega me contou sobre a diferença entre os beats wolfianicos e os não-wolfianicos. Pedi que não gastasse as informações do seu chip Google com assuntos desimportantes, mas ele disse que as informações não gastavam nunca. Se quisesse, seu cérebro poderia passar vinte e quatro horas gerando informações sobre tudo o que ele quisesse saber. O preço do chip variava conforme o tempo de duração, não a quantidade de bits transmitidos no mesmo ínterim. No rádio começou a tocar uma canção do Simon e Garfunkel que ele reconheceu na hora: “Simon and Garfunkel. The Sound of Silence. Year 1966”. Eu também lembrei de coisas. Lembrei de quando ouvi essa canção pela primeira vez e lembrei do Fusca do Scheer, que todo o mundo dizia que só tocava fita do Simon and Garfunkel. Eu nunca andei no Fusca do Scheer mas a imagem de um Fusca onde sempre toca a mesma banda, ficou em mim. O Celo também tinha um Fusca, mas no dele só tocava Pink Floyd. Eu era mais amigo do Celo. É claro que você sabe do que estou falando.
Ficamos assim eu e meu colega. Ele me fornecendo informações precisas sobre tudo à nossa volta, e eu devolvendo imprecisões sem me perguntar quem era o lado fraco da nossa relação. 
Depois de ter descoberto que não importava a quantidade de informações que meu colega poderia responder, aproveitei para aprender.
A 380 até Decatur é uma estreita via repleta de plantações infinitas capazes de me sugestionar os mais bonitos entardeceres. 
No trajeto de hoje havia muitos caminhões por lá, o que deixava o clima um pouco mais tenso. Não sei o que os caminhões transportavam. Deviam ser grãos ou sementes para as inúmeras fazendas daquela bonita região. 
De vez em quando a paisagem lembrava muito aquelas regiões próximas à Cascalheira do Passo do Corvo, na estradinha que começa bem do lado do campo de futebol. Entre o rio e o começo da pequena serra, existem pontos onde a luz e a inclinação do terreno me lembraram das bandas mais loucas que já pude dar em Arroio do Meio. 

terça-feira, 4 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

google maps diary

O que era para ser uma rápida travessia pelo estado do Texas, acabou se transformando em uma estadia que ainda não sabemos até quando irá se prolongar. Não sei se tenho condições de tentar te explicar como foi que tudo aconteceu. Sei lá. Foi mais ou menos assim:

Após atravessar Dallas estávamos exaustos. O Texas já era parte da nossa vida e os restos da noite passada em Jacskon foram deixados na privada daquela lanchonete. Dois senhores de camisa xadrez entraram no banheiro quando eu saí e não posso negar que não senti um pouco de vergonha por ter vomitado latinamente dentro daquele banheiro texano. Sentei na mesa e ele já havia pedido nhoque para nós dois.

-       Tu já comeu nhoque texano?

-       Nem.

-       Então pq tu pediu?

-       O que?

-       Por que tu pediu nhoque no Texas.

-       Pq é a tua comida preferida e pq a gente ta precisando de carboidrato. De glicose. A noite de ontem foi foda, man.

-       Mas comer nhoque no Texas não tem. É que nem. Que nem comer sushi em Lajeado.

-       Eu perguntei qual era o carro chefe e ela disse que o carro chefe era nhoque com tomate fresco.

 

A gente estava no Texas. Bem ou mal a gente estava no Texas e a nossa primeira refeição tinha sido o melhor e mais barato nhoque que já comera em minha vida. Sempre almoçar em postos de gasolina com caminhões estacionados em volta. Segundo meus pais, os caminhoneiros eram os que melhor conheciam a estrada, seus melhores restaurantes, a gasolina menos adulterada, o banheiro mais limpo com os chuveiros mais quentes.

Seus pais podem estar mortos, contanto que você tenha como voar, tudo está certo.

Acumulávamos milhas pois já estávamos nos acostumando a elas, assim como também estávamos nos acostumando àquele sotaque tão familiar para nós. Vimos os filmes certos, ouvimos as musicas certas e assim, acabamos por chegar também ao lugar certo. Falar texano era  o jeito mais fácil. O jeito mais fácil de ser. De se fazer diferente aí nesse país onde tu tá agora.

Logo após o almoço fomos cochilar no carro. É sabedoria do viajante saber descansar nas horas certas: depois do almoço e no final do dia. É sabedoria do colono evitar o sol nos horários de maior atividade e sonhar um pouco assim que ele se põe. É sabedoria natural descansar depois da principal refeição e sonhar após a hora mais bonita do dia. Fazemos desses nossos únicos rituais sagrados para essa viagem. Dois cochilos diários. De resto, pode tudo. Basta manter esses dois cochilos para que todo o organismo se habitue a funcionar do jeito certo. A ressaca fazia ele roncar alto no banco do motorista, ao lado do meu. Minha barriga estava quieta. Concentrada em digerir o nhoque. O sol não desenhava nenhuma sombra inclinada sobre o chão arenoso. O sol estava à pino, como falam aí no sul.  O sol derretia o asfalto da I 30 W, a maior distancia entre Jackson e o Dallas, onde estávamos naquela tarde de domingo. O sol derretia a lataria do carro e a brisa que soprava era morna, ajudando um pouco a derreter e a misturar toda a farinha, o queijo e os tomates frescos dentro do meu estômago. Dentro do meu estômago, mais uma merda começava a ser feita.

Um caminhão vermelho estacionou ao lado e o cheiro de borracha misturado com fumaça de diesel entrou no nosso carro. A porta do possante, como falam aí, demorou um tempo para abrir. Do outro lado da minha janela, duas botas, depois calça justa, depois camisa xadrez vermelho e azul e o cara ficou um tempo olhando para o nosso carro. Na real, o cara passou o tempo inteiro entre acender e depois pisar em cima da ponta o tempo todo olhando para nós e para o nosso Volkswagen. Eu não olhei para ele, mas através da visão periférica percebia seu vulto de frente para a nossa lataria. Não. Não era sonho. “Texas sucks”, eu pensei. Meu pensamento era, pouco a pouco, cada vez mais pensado em inglês, o que poderia ser o mesmo que estar virando eu também mais um deles e o que também significava que, pouco a pouco, eu deixava de ser um latino gaúcho vindo da cidade mais feia daquele estado perdido no sul daquele grande país feudalista onde vocês ainda moram. É questão de pouco tempo eu parar de falar e de escrever em português.

O caminhoneiro, sem mudar de posição, falava olhando para nós que agora olhávamos para ele.

-       VW K70 1969 - 1974
In the early 1970s, VW was close to collapse as the company had no idea how to replace the Beetle. This was its first-ever front wheel drive car and it showed, being slow, ugly and clumsy. Sensibly, they then called in Guigiaro to design the Golf for them, and the rest is history.”

 

O caminhoneiro ficou olhando para nós. Meu colega se inclinou para ser melhor visto pelo texano, respondendo que “The top of the list is followed by: 

number 2 - Volvo 264 1975 – 1982 

number 3 - Vauxhall Ventora 1972 - 1976

number 4 - Morris Marina 1971 – 1980 

number 5 -Ford Mustang II 1974 - 1978

number 6 - Ford Cortina 2000 E 1973 - 1974
 

number 7 - Fiat Strada 1978 - 1988

number 8 -Chrysler 180 1971 - 1981

number 9 - Austin Allegro 1973 - 1983

number 10 -Alfa 6 1979 - 1986

 

Meu colega tinha implantado um chip do google para usar durante a viagem e, por mais que a sua pronuncia não fosse nativa (apenas uma sugestão texana), o simples fato de ele também ter implantado um chip google, já o colocava em um patamar menos latino do que a maioria dos latinos que desarmonizavam a paisagem Texana com seus cerebros nus. O caminhoneiro perguntou onde haviamos conseguido aquele modelo. Disse que colecionava os piores carros produzidos nos anos 70 e que aquele era o número um da lista official do Google. Nós sorrimos pois sabíamos que estávamos sentados dentro de uma reliquia cultivada por poucos. Nós nos entendemos e, no fundo, comemoramos o bom de seencontrar, mesmo que em um posto de gasolina perdido entre Dallas e lugar nenhum, alguém com uma mesma vontade que a nossa: atravessar o país a bordo do pior carro produzido durante os anos setenta.

Pediu que o esperássemos almoçar.

 Sem saber o que fazer, sugeri ao meu colega que testassemos a sorte: se o caminhoneiro comesse nhoque, esperaríamos. Caso contrário, seguiríamos viagem a bordo do número um, do pior carro dos anos 70: o nosso Volkswagen K70 ano 69.






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