terça-feira, 28 de abril de 2009

Às vezes você apenas tem vontade de acalmar o mundo.


Quase sempre é complicado entender onde estamos metidos. Às vezes eu me sinto um mergulhados em um caldo negro e espesso à procura do ar. Eu sei que aqui embaixo não adianta abrir os olhos. Aqui reina a escuridão. Não importa se é dia ou se é noite.

Pessoas que sentem medo diante do primeiro passo são um pouco complicadas de se suportar. Às vezes parece que todas as pessoas à minha volta vivem em um tropeço eterno. Sempre voltando antes do primeiro passo. Sempre presos no ultimo passo antes de agora. E quando eu vejo o mundo inteiro assim, eu me sinto sozinho. E eu lembro dos amigos. E por mais que eles tropecem, por mais que eles temam, por mais que eles cansem, eles vivem a última margem antes da queda. Apegam-se aos últimos fios dessa realidade sabendo que esses fios já se cortaram. Encontram-se agora em queda livre, segurando em cabos que despencam sem avisar. Algumas pessoas escolhem quando caminhar. Outras são empurradas para o abismo. É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte. Nossos vinis são pastores. Guias espirituais. Espíritos do abismo comunicando mensagens de um tempo fora do agora. olhamos para trás. E vemos, no fim de tudo, sumindo na nevoa do fim do espaço, as nossas próprias costas eretas e a própria cabeça firme. Enquanto existir espaço entre nossos ombros e nossos ouvidos, haverá beleza e dançaremos. A velhice nos ronda. Pesa nossos pés quando as musicas começam. A velhice está atenta. A velhice não desperta alarmes. A velhice não será surpresa. Estar pronto para tudo. Por mais medo que seja, espere sempre pelo pior. E ele nunca te surpreenderá. 

 it ain't me you're looking for babe.

domingo, 26 de abril de 2009






























Todos os domingos em que amanheço nessa cidade é impossível não ter a sensação de perda de tempo. Da janela da área de serviço tem uma vista bonita. Quando olho para fora sempre me pergunto o que estou fazendo aqui.
Cheguei em São Paulo em um Sábado de manhã. Vim de ônibus. Com muito pouco dinheiro e uma certeza que se diluía a cada quilometro avançado na direção desse lugar. Por sorte todas as prerrogativas se confirmaram e o impossível aconteceu. É isso o que me faz ainda gostar daqui. Aqui é onde o impossível deixa de ser.
Caminhar pelos Jardins no fim da tarde de um sábado e descobrir cafés pequenos e interessantes e surpreendentemente vazios. A voz de todos os amigos que reclamam da falta de opção grita nos meus ouvidos, mas eu não entro em um lugar para ser só eu. Isso não. Ainda. Aqui.
Alguém te telefona e esse alguém está saindo de um grupo de filosofia e você comenta que pensa em ver “a questão humana” no cinesesc e esse alguém também quer ver e então vocês decidem um café no Suplicy antes de tudo. O Suplicy sempre está cheio, o atendimento é péssimo, a freqüência é cafona mas o café é sensacional. Então você está acomodado em poltronas de couro conversando sobre apartamentos para alugar e aconselhando amigos que hoje não ousam acreditar no amor.
Depois um carro. Uma rádio tocando uma música ruim que fala sobre o Rio. E o cinema. E fila. E pessoas. E amigos antigos. Ela está grávida e o marido sorri ao seu lado. Os cabelos grisalhos. As máscaras caindo. A alegria das mães. A ingenuidade das mães. A maldade das mães. O mundo não será melhor, mas elas precisam acreditar. O mundo não será mais justo com o seu filho do que ele foi com você. Melhor não pensar nessas coisas. O mundo não. Só hoje o mundo não. Encosto as duas mãos na barriga da mãe e olho para ela e não reconheço mais naqueles olhos a garota que um dia eu amei. Seu marido aperta o quadril e beija-lhe o rosto. Depois os dois sorriem para mim e pedem que eu conte alguma novidade. Revelo o medo do futuro. E eles riem, desdenham o que penso e sugerem um café. A sessão já vai começar e eu me despeço. Entro no banheiro e me acho muito mais bonito do que eles um dia foram. 
O filme me faz dormir. Depois me faz pensar em tudo, menos nele mesmo. De vez em quando acariciávamos nossas mãos. Depois esquecíamos de ser um para cair novamente no abismo interior de sensações incontroláveis. Um filme que não nos interessa é porta escancarada para visitas intimas para dentro de si. 
Terminar o filme e a fila atravessando a rua esperando a próxima sessão. O mundo vive em salas de cinema nessa cidade onde o acaso quase não acontece. Aqui não existem estradas de terra para se esconder quando a noite ameaça perder o controle. Aqui não existem sóis que caem tão lindos no final de todas as tardes. Aqui não existem pássaros cruzando o céu na volta para a casa. Aqui são os homens o fenômeno mais natural. Aqui são os assuntos o que nos faz perder o fôlego nos momentos mais inesperados. Aqui o mundo é dos racionais. E a Terra é apenas um planeta distante de onde, de tempos em tempos, chega alguma noticia sem muita importância. Uma fotografia. Ou o triste relato de uma viagem que não deveria ter acontecido.












sábado, 25 de abril de 2009















às vezes o dia amanhece e é satisfatória a quantia de mortos e feridos. às vezes o dia demora muito para amanhecer. às vezes pode até ser que ele nunca amanheça. 

não atravesso essa ponte sem cair um pouco mais para dentro de mim. e a culpa não é dela. nunca foi.


















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sexta-feira, 24 de abril de 2009




à espera do que não está para acontecer.

domingo, 19 de abril de 2009


esse é o meu avô comemorando a chegada da era de aquário em uma praia latina de nome desconhecido.

















...

Sobre a vontade de criar raízes é coisa que sempre sinto antes de partir. Quantas vezes eu ainda vou escrever de dentro da última noite antes de ir embora? Existem perguntas que me perseguem e talvez elas sejam o que eu respondo. Sempre tive mais medo das perguntas do que das respostas.  Sendo assim. É sempre fácil escolher o jogo que se quer jogar. Descobrir-se gato e rato de si mesmo.

Amanhã eu volto para a maior das cidades. Confundo voltar com chegar quando falo de São Paulo. Confundo o tom da partida quando estou aqui. Enxergo adeus em cada olhar. Farejo o nunca mais nos gestos da minha mãe quando ela está perto de mim. Em nossa convivência, a sorte do "nunca mais" fez a intensidade dos reencontros ser tão intensa quanto o partir. E assim vamos vivendo a sucessão eterna dos pequenos abandonos. Eu sou o que você fez de mim. Sempre serei.

Ficamos deitados na cama do meu quarto vendo um documentário sobre grandes, centenárias, milenares árvores arrancadas. A cachorra lambendo os nossos dedos. A chuva caindo de leve, do outro lado da janela, a tarde inteira. Eu peidei e ela xingou a cachorra.

-    - não foi ela. Fui eu.

ElMinha mãe saiu do quarto. Agora há pouco ouvi ela escovando os dentes. Deve ter ido dormir. Sem me dar boa noite. 





Pela última vez. Antes da próxima. Se houver.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

se pelo menos strokes.






















Estamos naquela estação em que o sol se põe cada vez mais cedo. São seis e meia da noite e o céu já está escuro. Nessas horas eu sempre vou sentir saudades do verão. Das tardes intermináveis. E dos dias nascendo tão cedo. Há sempre perigo nos lugares onde o sol demora para surgir. As noites longas trazem sentidos inversos aos fatos. As noites longas são a ilusão logo depois de ela ter acontecido.

Nas noites longas demais as conversas avançam por territórios que não deveriam existir. Que talvez nem existam. Nessas noites é sempre possível mais um pouco. É sempre preciso mais um pouco. Depois um de nós tenta vomitar no banheiro. Arranha a garganta mas não consegue arrancar o que nunca lhe trará nenhum bem. Aquilo que lhe comprime a glote e faz o seu peito apertar. Depois de um tempo, fica olhando para o ralo sentindo as batidas do próprio coração voltarem ao seu tempo real. 

Na roda dos amigos o mal-estar já passou. O mal estar sempre passa. O céu ainda está escuro e sempre dá tempo para mais uma. A ultima antes de voltar. Só mais essa antes de dormir. Nas noites longas demais todos esqueceram que o sono não virá.

Aos poucos os olhares envelhecem e os sorrisos vão perdendo os dentes. O nariz dói por dentro e dói para respirar. Olho para os meus tênis e penso em tudo o que eles já fizeram. Penso nos caminhos por onde eles irão. Olho para os pés dos que estão na mesma roda tentando imaginar o trajeto de cada um. A menina mais bonita tem os dedos para fora da sandália e ela não sente frio. Está acostumada a esse tipo de noite. Ela acende mais um cigarro e continua encostada no tronco da arvore olhando a cidade do alto da pequena montanha. Eu olho para ela e ela tem nos olhos a cidade onde eu cresci. Depois olho para a cidade e ela parece tão pequena. Tão longe de mim.

Cogita-se uma ultima volta. Reclama-se das rádios que não tocam o que queremos ouvir. Nunca tocaram. Nunca tocarão. O mais sensato sugere caçar mais uma rodada. O mais cansado reclama do frio. A gorda continua sorrindo e olhando para o céu de olhos fechados. Querendo ser qualquer coisa que não ela mesma.

Finalmente amanhece. 

Agora cada um rola sobre a própria cama. Todos sabem que todos rolam, mas nenhum ousa se tocar. Há sempre um pacto de silêncio envolvendo as primeiras horas de sol nas pequenas cidades do país. 

quinta-feira, 16 de abril de 2009

alguém sabe como se posta um podcast aqui no blogue?

quarta-feira, 15 de abril de 2009







Algumas notas chegam de longe. Alguns telefones tocam tarde de mais e as noticias podem ser desanimadoras se vista com os olhos de ontem. Eu sei que é difícil entender que os olhos de ontem não são os olhos de hoje, mas você precisa se esforçar. É sobre o tempo que falamos até aqui. E é sobre ele que sempre falaremos. Existem escravidões que precisam ser aceitas.

Às vezes eu lembro dos pactos que eu não precisei fazer para que eles existissem. Depois de um tempo me dediquei a destruir pactos que fiz sem perceber. A dor não esteve comigo. A dor sempre está do lado de quem não espera. Eu sempre esperei. Tanto pelo pior quanto pelo melhor. Poucas coisas me pegariam de surpresa hoje. Tive tempo o bastante para pensar sobre a possibilidade de quase tudo. Vivi hipóteses. Duvidei de fatos.

É preciso prestar atenção à natureza que está em volta. Aqui os pássaros desenham trajetos diários, mas poucos percebem a infinita sucessão de direções. As aves cortam o céu, mas quase ninguém percebe. As aves guardam seus ninhos gritando gritos estridentes, mas quase ninguém ousa se perturbar. Quase ninguém pensa na própria casa quando está diante de um quero-quero.

Existem coisas que não podem, ou não precisam, ou não devem ser explicadas. Existem cidades bonitas demais. Essa não é uma delas. Aqui a beleza está longe da cidade. Aqui, em Lajeado, a beleza tem os dias contados. Por mais que quero-queros gritem tentando proteger o seu lar. O inimigo está surdo. E não temos nenhuma arma além dos nossos berros.

Por mais interno que seja. Por mais inverno que faça. Por mais neblina que nasça. Sobre a ponte não somos nada que não o transito entre dois lados. Atravesse-me. Só não machuque meu coração que hoje tem medo. Nem subestime meus preconceitos. Meu nome. Tudo o que acreditei antes de você.

Amanhã o mundo vai ser bonito. Mas hoje eu ainda não sei. Do contrário estaria dormindo. 

terça-feira, 14 de abril de 2009

quase um blogue sobre cafés






























aqui o café tem paredes vermelhas. peço um expresso duplo e ouso me deixar sangrar. reflito o que os outros deixam de ser. o mundo dos homens às vezes é adulto demais.
nas mesas em volta o cotidiano é moeda recorrente e os assuntos não versam sobre mim. estou sozinho agora. nem por isso menos desperto.
manifesto solidão: a vida nas grandes cidades não é menos vazia do que o mundo quando longe de si.

domingo, 12 de abril de 2009

pequena crônica de uma cidade/ 1

na Padaria Suiça 

Quatro amigos tomam café no fim da tarde de sábado. Terminada a refeição, conversam até que o segurança do local os avisa de que precisam sair pois o lugar deve fechar.









quarta-feira, 8 de abril de 2009

um pouco antes do fim

Último dia aqui. Ando pelas ruas como se fosse a última vez.
É a última vez. Talvez sempre seja a última vez. Sempre é a última vez antes da próxima.


A equipe do clube Eros agora me conhece e aumenta a porção dos meus pratos. Sorriem quando chego e acenam quando vou embora. Eu vou sentir falta deles.

O tango no La Catedral não estava tão complicado ontem à noite. Dancei com uma holandesa e perto dela eu era o máximo. Os alemães roubaram nosso sofá. Mas não beberam do nosso vinho. Eles não entendiam nossas piadas. Chegou um momento em que cansamos e voltamos bêbados para casa rindo no taxi, rindo no elevador, rindo no banheiro e rezando para não sentir nenhum tipo de arrependimento no outro dia de manhã.

O outro dia de manhã começou com dor de cabeça. Com despertadores tocando sem necessidade. Depois um banho longo. Não lavei os cabelos por que eles estavam bonitos. O intestino funcionou bem. Depois computador esperando o resto da casa despertar.

Janelas fechadas e ar condicionado até depois do meio dia.

A bandeira da Argentina tremulando do outro lado do vidro da janela da cozinha.

As malas prontas para hoje e, na hora de confirmar, a passagem ser para amanhã e ganhar mais um dia aqui. Sair de casa. Correr nos bosques de Palermo. Ter tempo para a ultima aula de yoga. Sentir saudade quando já deveria ter partido.

Atravessar a tarde sentado na mesma mesa. A garçonete loira estar menos agressiva agora que ela me espera todas as tardes. A tomada livre para o computador. A programação sobre o jantar que nos espera. O vinho que bebo agora não é o mesmo vinho que beberei depois. A ansiedade. A ansiedade. A espera. As respostas que demoram tanto a chegar.

Ella Fitzgerald tocando sem parar. O sol atravessando o telhado. As argentinas descabeladas. Os senhores de voz grave falando sobre cinema com meninos mais novos. Os muros pichados com frases políticas.

Pequenos retratos de uma cidade que eu vejo partir.






















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Train Horns

Created by Train Horns

segunda-feira, 6 de abril de 2009

buenos aires holiday.

Eles têm os olhos cansados e se olham no fundo dos olhos e de vez em quando ela ri, desvia os olhos dos olhos dele, e olha para o chão. Toca Billie Holiday, mas provavelmente eles não sabem quem ela é. Agora o celular dele tocou. E ele atendeu. E Billie continuou cantando. Mas ela. Ela apoiou o rosto sobre a mão fechada e continuou olhando, ainda mais melancolicamente, para o chão como quem conhece a canção que toca. Bebi o ultimo gole do vinho e ela escorregou ainda mais amarga para dentro dos meus ouvidos. Ele pediu a conta e ela, como se despertasse de um sonho, abriu a bolsa, pegou a carteira e entregou algumas notas à atendente. Depois sorriram um para o outro como se acordassem em um domingo de manhã em uma cama de solteiro de uma republica estudantil. A musica chegou ao fim e no pequeno intervalo entre as duas canções eles se levantaram e foram embora. Billie começou a cantar novamente, mas eles não ficaram para escutar. A cada faixa ela fica mais triste, mas eles, precavidos, não estão mais aqui. O vinho terminou e o sol entrou pelo telhado de vidro do pátio interno desse café. Sinto sono e um resto de cansaço por todas as coisas que não fiz. Sinto culpa pelas traições que não cometi. E saudade de tudo o que não vivi. De tudo o que nunca vou viver.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

sad song that makes me cry

track 1
track 2
track 3
bonus track






















Quando acordei fiquei enrolando um tempo na cama. Abri a janela e vi que o céu estava azul, mas o vento que entrou no quarto estava mais gelado do que ontem. Fechei o vidro e passei um tempo observando as janelas do edifício em frente. Uma menina brincava na varanda de um dos apartamentos. Uma mulher saiu e ficou sentada ao lado da garota olhando para mim, do outro lado do vidro da janela.

Abri o computador e o mundo parecia um lugar distante de onde nenhuma noticia parecia ter importância alguma. Aos poucos fui refazendo o itinerário de todas as manhãs. Abrindo emails. Lendo jornais de lugares onde não habito. Esperando que você atualize seu blogue. Fiz um auto retrato que logo foi deletado. Aos poucos a manhã foi ficando real. As horas correndo no relógio do monitor. A vontade de comer apareceu. Depois foi embora. Depois apareceu outra vez para sumir novamente. Sempre que sentia fome, sabia que, se suportasse um pouco mais, a vontade passaria. Todas as vontades passam se a gente espera um pouco mais. O perigo é esperar um pouco mais.

Quando o sol esquentou o dia e quando eu já não tinha mais nada para fazer no quarto, decidi que era hora de sair. Recolhi as roupas sujas para deixar na lavanderia, coloquei uma roupa confortável para caminhar pela cidade, guardei o computador na mochila e chequei se o disco do teenage fã clube estava arquivado no mp3. Não escovei os dentes para sentir melhor o gosto da comida que eu não suportava mais esperar. Olhei para mim mesmo no espelho antes de sair. Procurei as chaves. Procurei as chaves. Procurei as chaves. Elas não estavam lá. Abri a mochila. Elas não estavam lá. procurei as chaves. Procurei as chaves. Revirei os bolsos de todas as calças. Elas não estavam lá. O pior poderia acontecer. O pior havia acontecido. O pior sempre acontece. Sempre aconteceu. Sempre vai acontecer. As chaves haviam sumido. Eu sentia fome. E eu vi o prédio pegando fogo e eu morrendo queimado dentro dele sem conseguir chegar à saída de emergência por que eu havia perdido as chaves dentro do meu próprio quarto. Abri a geladeira e tudo o que havia dentro dela era uma garrafa de água pela metade. No armário dois pacotes de bolacha quase vazios e um resto de granola mofada.

Sentei na cama olhando para a parede e tentando calcular a quantidade de fome, subtraí-la da quantidade de alimento e descobrir se o resultado seria positivo ou negativo. Tentei afastar o medo de ficar trancado dentro do apartamento até que meu colega voltasse, mas o medo de sentir medo começou a crescer e eu pensei em fazer yoga para me acalmar. Eu sabia que uma invertida de dez minutos equilibraria alguma coisa dentro de mim. Mas fazer uma invertida implicava aumentar o risco de cair. De me machucar. De torcer o pescoço. Sentei na varanda para tomar um pouco de ar, mas o vento de algumas horas atrás não estava mais lá. Eu estava preso como havia estado desde quando acordara, mas agora consciente de não poder sair. Eu teria que passar o dia inteiro preso esperando ele voltar. Contei as horas que faltavam para o anoitecer. E era muito tempo. Mais tempo do que meu corpo suportaria. A fome aumentou, e eu esperei que ela passasse. Mas ela não passou, só aumentou. Eu já havia devorado o que sobrara dos dois pacotes de bolacha e o efeito sobre meu corpo havia sido proporcionalmente oposto ao esperado. Comer havia me deixado com muito mais fome. Pensei nas caloria inúteis que acabara de ingerir. Bolachas velhas eram uma mistura fatal de água, farinha e óleo., No caso delas, o sabor não compensa.

Depois de um tempo pré-pânico lembrei da dona do apartamento que mora do  outro lado da rua. Ninguém melhor do que ela para vir me resgatar. Virei toda a casa procurando o papel onde o numero estava anotado. Encontrei. Dentro do lixo. Tem sempre alguma vantagem em manter a sujeira perto de nós. Já faz algum tempo que deixei de lado o higienismo em prol da preservação dos feronomios da sexualidade. A sujeira da casa também tem seus efeitos positivos, mas tais efeitos ainda permaneciam desconhecidos por mim.

Apos combinar que dentro de meia hora ela viria me resgatar, decidi relaxar um pouco. Deitar na cama olhando para o teto enquanto pensava no que faria na rua e aproveitando os últimos instantes daquela efêmera sensação de prisão. A duvida entre passar o dia trancado dentro de casa ou passar o dia trancado na rua ficou mais forte e eu achei que seria muita falta de educação se a mulher viesse me soltar e eu dissesse que mudei de idéia. Pensei em ligar para ela e cancelar tudo. Mentir que havia encontrado a chave  e que tudo estava bem e muito obrigado pela sua atenção. É sempre complicado quando não existe nenhuma outra opção entre ficar toda a tarde na rua ou ficar toda a tarde dentro de casa. Melhor ficar na rua. Na pior das hipóteses, poderia encontrar meu amigo, pegar minha chave e voltar para casa. Mas eu não sabia onde meu amigo estava, ele não tem celular e quando a gente precisa os encontros casuais nunca acontecem.

A campainha tocou. Uma voz gritou do outro lado da porta: é a Marta! E eu pensei que como é bom ouvir um nome conhecido. Que como é bom ouvir alguém falar o seu nome nessa cidade onde você não está. Que como é bom ser resgatado e poder sair sentindo a liberdade total e completa de um dia de outono em uma cidade desconhecida. Peguei a mochila, a sacola de roupas sujas, calcei o tênis e Marta já estava na porta que ela mesma abriu com sua chave reserva e ela sorrindo para mim parecia ser muito, muito simpática e despreocupada. Enquanto enfiava o calçado com pressa para que Marta não perdesse ainda mais tempo com a minha falta de organização, emitia palavras do tipo: que lástima, jo te pieço desculpas, estoy inconsolable, mi amigo se fue com mis chaves, desculpe, mil perdones. Marta sorria na porta sem nada dizer.

Dentro do elevador percebi que ela era uma senhora muito bem arrumada, aparentando sessenta anos. Uma mulher de sessenta anos que não se travestia de mulher mais nova. Uma mulher com a idade exata dela mesma. Elogiei o apartamento e ela agradeceu. Depois comentou a minha sorte dizendo que havia justamente voltado para almoçar em casa no momento em que liguei. Se eu tivesse ligado mais tarde ela não teria como me resgatar. Perguntei se ela gostava de plantas, pois o apartamento tem muitas plantas, e ela apenas sorriu e falou que o apartamento era um antigo escritório de tradução. Depois que sua empresa cresceu ela teve que comprar um apartamento maior no centro antigo da cidade.

-       você trabalha com tradução?

-       Sim. Sou tradutora.

-       De qual língua?

-       Do inglês para o espanhol.

-       Você traduz romances?

-       Não. Traduzo novelas.

-       Sim... romances...

-       Ah sim. No Brasil vocês chamam novelas de romance.

-       Claro. Aqui vocês chamam romance de novela...

Não sei por quê, mas eu disse que era escritor.

-       sim. Eu sei que você é escritor.

-       Mesmo?

-       Sim. Eu sei tudo sobre você. Pesquisei no Google quando você me contatou para alugar o apartamento. Não gosto de brasileiros. Mas um brasileiro artista deve ser diferente dos outros.

O diálogo não foi exatamente assim pois eu não entendo quase nada dessa língua enrolada e apressada que eles falam por aqui.

-       que interessante você ser tradutora.

-       Vamos tomar um vinho? Minha reunião foi cancelada.

Fomos até um café na esquina. Ela conhecia todas as pessoas que trabalhavam no café pois todos a cumprimentaram pelo nome. Sentamos e Deixei minha sacola de plástico amarela com as roupas sujas na cadeira livre ao lado de sua bolsa de couro. Ela pousou as mãos sobre a mesa e os anéis tinham pedras coloridas e as pulseiras também tinham pedras coloridas que contrastavam com as mangas pretas da blusa de malha sem bolinhas. Notei que ela tinha os cabelos bastante pretos e brilhantes e presos em um coque muito bem feito.

-       sobre o que você escreve?

-       Eu? Ah... não sei dizer.

-       Como todos.

-       Quê?

-       Todos os escritores. Eles nunca sabem sobre o que escrevem.

Ficamos um tempo em silêncio. Coloquei um sorriso no rosto para pedir desculpas por ser igual a todos os outros escritores.

-       todos os escritores bons. Os medíocres sempre sabem sobre o que escrevem.

Tentei entender o que ela queria dizer com aquilo e pensei em dizer obrigado. O garçom nos serviu dois copos de vinho. Ela experimentou e pediu que ele trocasse. Disse que estava muito acido. O garçom retirou os copos e depois repetiu o mesmo gesto de distribuir dois copos limpos sobre a mesa, mas dessa vez servindo apenas uma pequena porção no copo dela. Ela cheirou e disse que estava bom. O garçom completou nossos copos e nós brindamos a nada especificamente. Apenas nos olhamos nos olhos e sorrimos e batemos nossos copos com não muita força para não quebrar. Dentro de mim eu disse “à sorte!” A ponta do sapato de Marta encostou na minha perna e eu esperei que ela tirasse. Mas não tirou. Mexi minha perna para que ela percebesse que encostava em mim, não na cadeira ou na perna da mesa, mas o seu sapato continuou colado em mim.

-  tenho duas horas livres. Voltamos ao seu apartamento?

       - Sim.

Subimos os seis andares dentro do elevador sem dizer nada. Ela abriu a porta e nós entramos. Ela olhou para a bagunça do meu quarto e eu pensei em pedir desculpas, mas depois lembrei que eu pagava para estar lá e não devia nenhuma explicação a ela. Empurrei ela na minha cama bagunçada e suja e ela sorriu. Depois de duas horas nós saímos e na calçada cada um seguiu para um lado diferente.

Passei a mão nos meus cabelos e notei que eles estavam secos. Entrei no salão de beleza da Honduras com a Thames e perguntei quanto custava uma hidratação. Lavei e hidratei e as mãos pesadas do cabelereiro não eram gentis com o meu pescoço e eu senti um pouco de dor nas costas por que ele manipulava minha cabeça de uma forma um pouco agressiva. No fim de tudo ele perguntou se eu queria secar com secador. Disse que não. Paguei e fui embora.

 Nas ruas de Palermo eu senti o sol quente nos meus cabelos molhados e o vento frio soprando mais forte sempre que eu chegava em uma esquina. Sentei no café onde venho todos os dias, e pedi um copo de vinho enquanto espero anoitecer para que eu possa voltar para casa. Meus cabelos estão hidratados e agora eu me sinto limpo. 

quinta-feira, 2 de abril de 2009



Toca  nina Simone nesse pequeno café onde venho todos os dias. Onde, a cada dia, escrevo mais uma pequenina parte desse pequeno romance.  Estrangeiros estão em todos os lugares para onde eu olhe. Os homens usam bigodes. As xícaras contem restos de café  e as arvores perdem as suas folhas numa velocidade impressionante.

Do outro lado do vidro da janela a cidade está parada pq hoje aqui é feriado. Na mesa ao lado da minha há uma garota bonita e ela tem um computador exatamente igual ao seu. Um pequeno computador branco do tamanho de um caderno infantil.  Estranho. Mas quase tudo aqui me faz lembrar de você.

Ontem fui jantar no DesdeAlAlma. Um bistrô francês com cara de casa de praia e pequenas mesas em salas menores ainda. No salão principal, bastante pequeno, há uma imensa arvore crescendo e saindo para fora pelo telhado. Combinamos de passar o fim de semana em colônia do sacramento. Tomara que vejamos o sol se por dentro do rio da prata. É sempre tão bonito ver o sol cair ao sul da America do sul.

Vou pedir a conta. E caminhar sem rumo por essa cidade que quanto mais habito, mais eu desconheço. Leia a biografia de Andreas caicedo. E descubra mais um pouco de nós.





para o frio que chegou aqui

quarta-feira, 1 de abril de 2009











Escrevo daqui. Desse pequeno café nos fundos de uma pequena livraria perdida no coração de Palermo. Todos falam baixo à minha volta. Um homem com uma criança no colo folheia os livros expostos na imensa estante. O vinho aqui é bom e a água vem sempre gelada. Passo a tarde escrevendo. Agora toca um disco da Madeleine Peiroux e eu não sei se é assim que escreve o nome dela. trata-se de um disco que eu ainda não conhecia, mas que é bom. Ontem vi o filme do qual você tanto me falou: Cloud 9. E eu fiquei tentando entender por quê o sexo dos velhos me pareceu tão desnecessário. De manhã comentei com alguém que o meu caminho é a frigidez. Meio como que não vejo sentido para o sexo entre corpos feios. Quase não vejo muito sentido para o sexo no meu corpo. O sexo geralmente habita um terreno desconhecido e profundo e muito, muito próximo do suicídio. Ok. Você jamais entenderia isso. Eu acho.

Faz sol, mas o vento é frio e eu acho que você gostaria de estar aqui. Tirei uma foto da parede atrás de mim. é uma parede escrita pelos visitantes desse lugar. Todos os idiomas estão pintados na parede, menos o nosso. O nosso é um idioma que não combina com pequenas livrarias perdidas em bairros pitorescos de cidades onde venta frio. O nosso idioma não é falado pelos mais inteligentes. Talvez seja por isso que nos empenhamos tanto em outras línguas.

Falta pouco tempo para eu ir embora dessa cidade. sempre tenho que partir quando mais me sinto em casa. ontem comecei a escrever um novo livro e talvez ele chegue até o fim. Descobri Caicedo. o autor boliviano sobre o qual te falei ontem. Ele é um pouco nós. Nós somos um pouco de cada suicídio que não cometemos.

Hoje sinto saudade. Mas não sinto urgência. E sei que esse texto está ruim, mas sei que você não vai ler até o fim. A liberdade é não ter nada a perder. Mas sobre isso, outras pessoas escreveram coisas mais profundas.

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