sexta-feira, 1 de maio de 2009

só não leia se for paulistano.




















Acordei cedo. Não gosto de ter uma gripe rondando o meu corpo. Faz tempo que não saio de casa para quase nada. Vou ao yoga. Corro no parque no meio da tarde e caminho um pouco pelas ruas que compõe o quadrado da minha casa. Tenho evitado metrô. Ônibus. Estou sem carro e isso não é tão ruim. Tenho amigos bons. Amigos com carro. Amigos que eu conheço  há muitos anos. E cada vez mais eu tenho certeza de que o melhor é ficar em casa com esses amigos. Os copos andam sujos demais. A cerveja não é a melhor pedida e essa cidade não presta nas noites antes dos grandes feriados. Mas eu tento. Eu sempre acredito que pode ser legal.

Como quando você está em casa e se depara com Gal Costa cantando “Dê um Rolê”. Impossível não acreditar se é ela quem diz que a vida é boa. É preciso estar atento às datas das canções. Aprendo isso um pouco mais a cada dia. Se alguém te diz “não se assuste pessoa se eu lhe disser que a vida é boa” por favor entenda que isso foi escrito em mil novecentos e setenta e pouco e isso já faz parte do passado. Atente às canções de agora. Por mais vazias que elas possam ser.

Mas às vezes ficamos desatentos e a desatenção é um perigo. Sim. São Paulo é uma selva e eu estou longe daqui faz muito tempo. Não me acostumei. E não pretendo me acostumar a essa cidade.

Pegar o metrô às seis da tarde pode ser quente demais. Mas sempre tem uma menina que também poderia simplesmente ser a sua musa. Talvez eu devesse ter simplesmente seguido a menina bonita que estava no mesmo vagão que eu. De vez em quando ela desviava os olhos do livro e ela tinha olhos de coelho assustado e eu pensei em Alice. Em seguir simplesmente alguém sem saber onde eu poderia chegar. Eu fazia isso quando cheguei aqui. Nas festas eu escolhia uma pessoa para seguir. E não seguia apenas dentro do salão. Uma vez caminhei da augusta até depois da Vila Mariana. Até São Judas. E valeu à pena. Ganhei uma amiga. Até hoje, depois do sexo, depois dos beijos, depois das perseguições, o que perseverou foi um tipo de amizade que nos une para sempre. Éramos quase adolescentes. Somos para sempre adolescentes. Mas brincar de gato e rato ainda é coisa para os mais novos.

Mas você sai na estação Consolação e a menina continua lendo o seu livro e a vontade que implica você ter para sair de um metrô precisa ser grande demais. Cada espaço, por menor que seja, implica contato. Cada passo é um contrario à direção de alguém. Mas eu atravessei o mar quente de pessoas feias e cheguei à superfície. No alto da paulista respirei o ar pesado da noite de ontem. E não foi bom. Não é bom. Olhei para o céu, mas não dava para ver muita coisa. Entrei no Banco do Brasil. Saquei sem medo de ser roubado com sorriso nos lábios. O dinheiro é o passaporte para a felicidade. Trate de ganhar o seu se quiser continuar aqui.

Depois Livraria Cultura. O livro de correspondências da Clarice Lispector. A identificação imediata com quase todas as linhas. Sentado na pequena sala de estar esqueci o mundo por dez paginas antes de encontrar uma menina. Uma menina que nasceu lá longe onde eu nasci. Uma menina que era minha colega de escola e que hoje tem o seu escritório de arquitetura em algum lugar bem alto dos prédios bonitos da avenida paulista. Atravessamos as ruas na direção do centro. As mesmas pessoas subindo a Augusta. Os mesmos papos entre nós dois. O mesmo conflito de nove meses atrás. Depois um kebab. Aproveitar cada mordida. Nada como comer em São Paulo. Nada como pagar em São Paulo.

Depois caminhar mais um pouco. Descer sempre mais. receber chamadas. Atender chamadas. Escrever mensagens. O mundo sempre se surpreende quando tudo o que você deveria fazer é voltar para casa. Mas você pede mais uma cerveja e é claro que mais uma cerveja e sempre mais uma cerveja. Alguma coisa dentro de mim dizendo que vinho ainda é melhor. Que o tapete da minha sala está mais limpo do que a calçada onde crianças brincam e sujam o mesmo ar que respiramos. Peço à dona do bar que toque mais uma vez “Maria Bethânia”, a canção que Caetano fez no exílio. Mas a dona do bar responde que não lembra em qual disco ela havia gravado essa canção e, na verdade, ela não sabe sobre qual musica estou falando e canto um pedaço mas a expressão do seu rosto continua a mesma. Me olhando como quem perde tempo. Aqui sou apenas uma bêbado inconveniente. Um bêbado inconveniente que bebe cerveja cara e experimenta um rodízio de amigos. Quando ela me olha assim eu sei que eu deveria estar em casa. Ouvindo as minhas musicas. Bebendo nos meus copos. Com todos os telefones desligados. É assim que os gênios criam suas grandes obras. Não tenho o menor saco para cronistas urbanos e menos ainda para filosofia de mesa de bar. Mas às vezes a gente esquece. E cai na armadilha mais perigosa. A armadilha da desatenção. Dos goles feitos de inércia. Dos olhares carregados da mais pura verdade: aqui não sou ninguém.  

6 comentários:

epicuro disse...

Everybody knows that our cities were built to be destroyed

geheimnis disse...

quem vai começar?

H. disse...

ainda não descobri nada melhor que ficar em casa com bons amigos e copos sujos. eu sou paulistano, mas tive que ler, você sabe. =)

Paulo F. Perizzolo disse...

Desamizades assim e pra sempre..

quasechuva disse...

eu sou alguém qdo tenho vc pra fazer nada comigo por aí, pelo sol. ir pro nada como se ele fosse algum lugar e tivessemos hora marcada.
como se safar da polícia fosse um santo graal.
só sou alguém qdo não preciso ser.

geheimnis disse...

se a cidade fosse feita de vocês, como diz a Fran, aqui seria Amsterdã. mas ainda temos nossos copos. nossas casas. e nossos discos.

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