sábado, 26 de julho de 2008

ontem tive a tarde de folga aqui em cotiporã. depois do almoço voltei para a cabana com meu amigo. ficamos batendo papo e bebendo chá. quando as moças da limpeza pediram que a gente fosse dar uma volta no pomar, saímos pelos arredores da pousada até encontrar um portão que delimitava a propriedade. nos olhamos. e avançamos. talvez fôssemos nós dois 15 anos atrás. atravessando quintais. explorando pequenos riachos. descobrindo árvores grandes demais para nossos braços de criança.

caminhamos por uma trilha estreita e fazia sol e o sol esquentava pouco. as árvores mais espinhentas eram as que mais nos chamavam a atenção. como se fossem espelhos nossos, as espinhentas eram toda a proteção que vamos criando. nos reconhecíamos na vilania dos espinhos. crescíamos no afiado das pontas. eram elas tudo o que precisávamos ser se a nós fosse dado o direito de crescer. é bom trabalhar com amigos. era o dia de folga dele. era a minha tarde livre. a primeira de muitas. 

avançamos a trilha até chegar a um grande chiqueiro do outro lado do matinho. os porcos gritavam enlouquecidos e talvez fossem nós antes dos dezoito. talvez fossem nossos chinelos arrebentados. nossos pés quando pisados sobre prego enferrujado. nossos dedos quando picados de abelhas. nossas tristezas de crianças. o medo de que a mãe morresse. o dia em que deveríamos partir. as tardes quando passariam a ser de trabalho. ontem, no meio da tarde, explorando terrenos, eu poderia ter me dado conta de que a infância continua aqui. nos dias livres. nas poucas horas de trabalho que bastam para pagar as minhas poucas contas. gasto tão pouco. tenho quase nada. quase lugar nenhum me prende. e a cabeça transborda idéias que ainda me renderão mais dias de trabalho e contemplação.

ontem de tarde eu era feliz com meu amigo. nós dois perdidos no infinito dos quintais desconhecidos.

ao lado do potreiro a bergamoteira pendia os galhos e a quantidade de frutos era um fardo que ela não deveria jamais suportar sozinha. avançamos. avançamos nossas mãos e os frutos cor de laranja eram gomos e gomos eram massagens refrescantes do lado de dentro das nossas gargantas. no meio do matinho havia uma casa. eu tive medo.

- melhor a gente ir embora, eles podem nos dar tiro. estamos em um terreno privado.
- cala a boca guri. isso aqui é terra de italiano. italiano recebe a gente rindo.
- é verdade. esqueci que aqui não tem alemão.
- é. alemão é quem sempre desconfia de quem aparece no potreiro para comer bergamota.
- ainda bem que a gente tá longe deles.
- é. mas eu tô com saudade da minha mãe.
- a tua mãe é alemoa, mas ela é louca.
- sim, ela veio de berlim.
- por isso.

depois a gente ficou cansado de comer bergamota, mas o meu amigo ainda encheu os dois bolsos do casaco para comer de noite se desse fome. ou saudade.

na volta vimos um porco dormindo sob o sol. quando chegamos mais perto notamos a rigidez das suas patas e ele estava morto. duro. debaixo do sol os seus pêlos brancos pareciam feitos de cera e uma tristeza tomou conta do meu coração. 

depois voltamos para a cabana e ouvimos mais uma música que nos deixou animados para pegar o carro e ir conhecer veranópolis. e foi legal. comprei cuia, bomba e erva. e agora é sábado de manhã. acordei para ver o sol nascer daqui do alto. as araucárias sob a primeira luz da manhã são deus quando posso enxergar. os quero-queros estão mais silenciosos hoje. deve ser o sábado. deve ser o inverno. alguns pedaços da grama perto do açude continham vestígios de geada, mas o frio do ano passado ainda não chegou. nem deve chegar.

quando o sol terminou de nascer eu voltei para a cabana e fiz o meu primeiro chimarrão. coloquei cat power e li as notícias do mundo sentindo o gosto amargo da solidão das rodas de chimarrão quando não há com quem trocar. o chimarrão e a solidão aqui no topo da colina são menos tristes.

pensei em são paulo. pensei em berlim. e pensei em mais um vício que vai me trazer saudade para quando eu estiver longe daqui. 

é tão fácil se apegar. 

Um comentário:

Marcos Rohrig disse...

Ismael,
vc consegue transformar um simples passeio que fizemos em algo bem bonito.
Não preciso mais dizer o quão competente tu é.

bjo grande querido

marcos rohrig

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