quarta-feira, 11 de junho de 2008

noventa e cinco e um, a rádio da univates!

Seria preciso começar falando sobre rádio. Algo sobre como e quanto o rádio teve e tem um papel na formação e transformação de uma sociedade. Também deveria se mencionar o caráter específico de cada rádio, identificar em cada tipo de rádio o seu estandarte, a sua peculiaridade e a sua missão. Rádio comercial, rádio comunitária, rádio pirata, rádio AM, rádio universitária. Cada rádio tem o seu papel em uma sociedade plural e razoavelmente bem desenvolvida. Pode se dizer isso de Lajeado. Uma sociedade plural e razoavelmente bem desenvolvida.
Se pensar sobre Rádio Universitária, é praticamente impossível dissociar o seu papel social de dentro do núcleo da sua Filosofia. Pensando em Rádio Universitária, tomo por exemplo a Rádio da Univates (FM 95.1). A UNIVATES fica em lajeado, cidade onde estou exilado por questões profissionais, algo como um mergulho no inferno.

Antes de se falar sobre rádio universitária, é importante apenas retomar as diretrizes básicas que norteiam uma Universidade. A universidade tida como o centro do saber onde têm sempre vez prioritária a discussão, a pesquisa, o exercício da ciência no estado mais puro e belo da palavra. É na universidade que se encontram concentradas as cabeças pensantes de uma sociedade. É na universidade que está o supra-sumo da inteligentsia, da vanguarda, dos olhares ao alto. Homens que pensam criticamente a estrutura social. Cabeças à frente do seu tempo. Visionários. Cientistas, na pureza e na beleza da palavra.

E temos daí, de dentro do nosso Centro do Saber, a rádio da UNIVATES. A rádio da Univates é a voz de uma Universidade tida como a melhor Universidade particular do Rio Grande do Sul. Quem sou eu para dizer o contrário? A Rádio da Univates fala por si só. Nas suas ondas se refletem os prédios de uma arquitetura higiênica, quase germânica na sua funcionalidade. Nas suas ondas a assepsia é tão visível quanto na limpeza dos corredores impecáveis e dos banheiros imaculados. É quase como se estivéssemos na casa de uma tia asseada demais. Sempre tão limpinha. Eu, que sou apenas um aluno temporário de língua alemã, posso ouvir a a rádio da Univates e comprovar, de dentro da sua estrutura física, a limpeza do local. Impecável, na limpeza.

O problema da rádio da Univates é que ela entrega o jogo. Ela é o cartão-postal para quem está de fora dela, e os cartões-postais sempre são um pouco mais bonitos do que o lugar retratado. Ou deveriam ser. A Rádio da Univates é a Univates para quem está fora dela, é propaganda vinte e quatro horas por dia no ar. O problema da rádio da Univates é que ela mostra ser justamente aquilo o que ela é. E no reino da propaganda é preciso nunca mostrar a verdade, quando ela pode não nos beneficiar.

Me distancio da Rádio da Univates para pensar em uma Rádio Universitária e na sua missão social e intelectual. Desculpe, mas não me refiro ao social como uma rádio comunitária ou uma rádio que leia notinhas sobre enchentes, me refiro à uma rádio que entenda o seu papel social na forma mais genuína. Uma rádio comprometida com o ser humano. Assim como a Universidade. Uma rádio que não entrega apenas o que aquela sociedade quer ouvir. Uma rádio que não se submete ao sistema imposto e martelado todos os dias por todos os meios de comunicação e mostra uma nova visão, única e diferenciada, de um meio cultural. Mostra o seu lado. A rádio Universitária mostra o lado da Universidade. Entenderam? A rádio sempre deve ser um pouco menos higiênica do que os seus banheiros. Um pouco mais poluída pelas cabeças pensantes. Um pouco bagunçada pelos professores que extravazam-se de dentro da sala para as ondas do rádio. Pelos alunos nerds que invadem a cabine para tocar a última versão de um Radiohead ao vivo em Glastonburry. A Rádio Universitária é o retrato vivo de uma célula social que pulsa. Ou que deveria pulsar. Pulsar como as idéias quando são acordadas pelo saber.
Onde estão os alunos da Univates? Aqueles que não concordam que a Rádio da sua Universidade seja estandarte para Armandinho, para a nova "música de trabalho do Capital Inicial", para a última da novela das 8? Onde estão os professores que aceitam ter a rádio da sua Universidade tocando sucessos populares dos anos 80 como se aquilo fosse o ápice do seu bom gosto e conhecimento histórico de música? Onde está a alma viva da Universidade? Nas ondas dessa Rádio da Univates? Espero que não. Eu teria vergonha de ser seu aluno. Imagina os meus amigos ouvindo a Rádio da universidade onde estudo e escutando "beija flor que trouxe meu amor..." Imagina a cara do professor da Univates quando ele sintoniza na "sua" rádio e ouve a Pitty cantando. Ele deve pensar que, no fundo, aquela rádio talvez não seja tão boa assim, mas é limpinha. E talvez isso já seja o bastante no país da desordem.

Onde estão os programas voltados à história músical? Quem pode nos apresentar, nem que seja nas madrugadas de segunda-feira, algo como "as raízes do psicodelismo", "o techno alemão do pós guerra", "o industrial na música"? Estranho demais? Cabeça demais? Hermético demais ? Talvez a maioria desses adjetivos devessem combinar com o pensamento de uma universidade do primeiro time. Uma universidade com alunos e professores pensantes.

Ou poderia se pensar em um programa voltado ao debate de líderes de diferentes facções acadêmicas? Ah. "Facções acadêmicas"? Será que não existem facções acadêmicas na univates? Elas dialogam? O que elas pensam? Onde elas discutem? Como elas se expressam?

Uma solução prática e urgente: a volta do "Só Sonzeira" no final dos domingos. Talvez aos poucos as coisas voltariam ao seu caminho.


Só para constar: nesse exato instante, na rádio da Univates, toca a música da Adriana Calcanhoto. Não aquela faixa conceitual de Maritmo. Nem a nova do Maré. É a música da novela mesmo. Aquela que os alunos gostam e os professores A-DO-RAM.
E, assim, o meu tempo aqui em Lajeado vai passando. E, por aqui, a tendência das coisas parece sempre tender a piorar um pouco mais. Pelo menos, nesse momento, alguém acredita estar cagando na melhor privada do estado. Pensamento positivo e bola pra frente! Essa é a ordem.

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