sábado, 28 de junho de 2008

era de tarde. era uma tarde de chuva. era na casa da minha avó. foi minha avó quem me criou. até os três anos o idioma era o alemão. alemão pomerone. ou apenas o pomerone. era essa a língua que eu entendia. minha avó se referia a nós, como, os alemães. "eles" eram os brasileiros. eles moravam em casas que não eram feitas de madeira. 

de vez em quando o meu avô voltava mais cedo do trabalho e me pegava no colo e ficávamos olhando para a rua ouvindo um rádio de pilha. o nome da rádio era "rádio independente AM". a rádio sempre falava nomes de pessoas mortas. eu não entendia as palavras que o locutor falava por que ele falava a língua dos brasileiros. mas eu entendia os nomes que ele dizia. às vezes, depois de algum nome, meu avô gritava para a minha avó que aquele nome tinha morrido. os passos da minha avó corriam pela casa. quando chegavam ela tinha a testa franzida ainda mais e pedia para o meu avô repetir o que ele havia dito. ele respondia na língua dos pomeranes que aquele nome havia morrido e minha avó entrava de volta para casa sem mudar a expressão da testa. 

a tarde caía do outro lado da rua. os brasileiros voltavam para casa. a novela começava e em todas as janelas de todas as casas da rua todas as cortinas trocavam de cor ao mesmo tempo. todas as luzes eram as cores da mesma emissora costurando os infinitos silêncios entre nossos diálogos. eu não entendia o que os brasileiros falavam na televisão. de vez em quando minha tia ria e eu perguntava por que ela estava rindo. mas essa não é a história que quero contar. a história das risadas da minha tia eu não vou contar agora.

era de tarde e chovia. eu estava deitado na cama da minha avó. no teto a lâmpada brilhava e as paredes ficavam amareladas. como tudo o que é memória, as paredes eram amareladas e um pouco quentes. do lado de cima do outro lado do telhado as gotas explodiam. às vezes suaves, às vezes todas ao mesmo tempo, às vezes pesadas pisando passos lentos. quando olhava para os lados a janela se escondia atrás da cortina e o pequeno retrato do casamento era uma mulher de vestido negro e um senhor de rosto sério. aqueles eram eles. mesmo não sendo. 

depois eu ainda estava deitado, mas o meu rosto estava coberto. quando abria os olhos a claridade da lâmpada atravessando a coberta eram flores de luz. embaixo dos tecidos a cama era como voltar para um lugar de onde eu nunca devesse ter partido. ou do qual nunca tenha sido expulso. olhei para o lado e minha mãe sorria debaixo da coberta deitada ao meu lado na cama da minha avó. os seus braços compridos iam até o alto e as suas mãos levantavam o tecido brilhando cada vez mais alto até que ela cansasse e soltasse o pano com força para cima de nós. e o vento gelava os nossos ossos por que éramos feitos de gelo. eu fechava os olhos e ela mantinha os lábios pressionando contra a minha testa. eu abria os olhos e eram os seus cabelos pretos ou as flores coloridas desenhadas na coberta. ela respirava e o hálito quente que saía do seu nariz penetrava nos meus cabelos e eu suava. ela apertava as minhas costelas e elas doíam, mas era bom. ela balançava o meu curpo e meu pau ficava duro, mas eu ainda não sabia. depois ela saía da cama, abria a janela e ficava olhando para a chuva. e fumava um cigarro inteiro de costas para mim.

eu acho que essa foi a minha primeira sensação de conforto.

Nenhum comentário:

Twitter Updates

    follow me on Twitter

    Seguidores