terça-feira, 27 de maio de 2008

é claro que você sabe do que estou falando

























não sei direito quanto tempo faz que estou dormindo, mas começou assim:

observava os detalhes da maçaneta da porta do seu apartamento. sim, eu sou um pequeno homem. por um tempo os meus pés pararam sobre o pequeno tapete em frente à sua porta. na porta atrás de mim ela batia pratos. elas sempre batem pratos depois do almoço. e foi assim que começou. eu, estático entre duas baterias. às minhas costas minha mãe. à minha frente a sua. sob os pés eu seria bem-vindo. pelo menos era o que estava escrito. não sei você sabe, mas eu sempre pensei nas visitas quando lia aquelas letras azuis. bem-vindos. eu pensava nas visitas que você recebia quando eu não estava lá. eu queria estar todas as tardes do outro lado da sua porta. ou do lado de dentro do seu coração. dois namorados quando se tornam antigos. eu queria ter o tempo inteiro com você. nós tínhamos a nossa música, mas você não sabia lembrar de mim quando ela tocava. assim como eu lembrava de você. mesmo quando não era ela. mesmo quando uma música qualquer era bonita demais para ser somente minha eu tomava emprestados os seus ouvidos imaginários para escutar como se fosse você.

e eu pensava tanto nas suas visitas. e cada esfregão dos meus pés sobre “bem-vindos“ era apenas para apagar o seu sorriso para portas onde eu não estivesse do outro lado. eu gastava com a sola dos meus tênis as letras que não eram para mim. por um tempo a sua casa era o buraco da fechadura. por um tempo as louças eram nós dois. eram as mãos das nossas mães nos lavando os cabelos. nos secando as dobras. nos aquecendo depois do banho. o esmalte desbotando um pouco a cada prato. um copo quando se quebra. e os sonhos de quando elas foram mocinhas. e o ralo acumulando sujeiras. e o encanamento que, mais cedo ou mais tarde, entupiria. não importava o quanto elas cuidassem. o encanamento, mais cedo ou mais tarde, entupiria. e as paredes teriam que ser quebradas. e os azulejos de passarinho seriam destruídos. e os azulejos de passarinho não seriam mais vendidos em loja alguma. por isso elas raspavam as unhas contra o fundo do ralo. pontinhos de arroz. sujeirinhas de carne envoltas em fios de cabelo. as pontas dos dedos trocando esmalte por farelos de sujeira. mortos de comida. solidões. do outro lado da porta éramos todos tão iguais. os azulejos de passarinho azul. os ralos limpos. os canos e os seus entupimentos eternos.

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