MANIFESTO SILENCIO
segunda-feira, 28 de junho de 2010
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
terça-feira, 15 de setembro de 2009
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
terça-feira, 1 de setembro de 2009
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Estou sentado na sala de casa vendo televisão e esperando. Mais um avião amanhã e amanhã mais um pouco de medo. Penso em levar o que não pode ser levado. Não levarei. Espero abrir a gaveta do meu quarto e encontrar restos de um sonho. Se estiver mofado, pretendo não ligar. Pensei em pedir para a minha mãe guardar no freezer, mas empregada poderia descobrir e contar tudo para as vizinhas. Se estiver mofado que se foda. Eu não vou morrer disso. Já passei dessa fase.
Sandra fala na televisão. Está curada da gripe quase mortal. Vera ainda sente febre? Se sim será melhor. A febre mortal dura quatro horas, depois desaparece, depois volta para matar. Você me disse isso ontem quase dormindo voltando para casa. Você sabe quase tudo sobre as probabilidades de nunca mais estar. Você atravessa o significado das minhas palavras, enxerga coisas através das paredes que eu penso me proteger. Eu tento. Eu finjo. Eu penso que não. Mas é para você que eu escrevo. Você pensa. Você duvida. Você acredita que não. Mas você sabe para que eu estou falando agora.
Não foi por isso que você chegou até aqui? Para estar suscetível a? But today I donno why? I feel a Litlle more blue than then!
Vamos todos pro sul no sete!
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
domingo, 23 de agosto de 2009
Viajar é ter menos tempo para pensar. Chegar em casa depois de um mês longe dela implica não conseguir dormir. Encontrar os amigos, depois de um mês longe deles, implica não saber por onde começar. Aceitar o risco de não se reconhecer à primeira vista implica esconder as fotografias para um dia depois de hoje.
Os discos estão aqui, no lugar onde sempre estiveram, mas meus ouvidos ainda não chegaram. Ainda não estou, apesar de já. A bagagem voltará aos armários. Cada quilo excedente deixará o meu rosto. Cada gota do suor que brotou longe daqui será lavado de todas as camisetas que ainda estão presas dentro da mala. As garrafas de vinho serão abertas quando eu sentir saudade do que passou. É preciso que se apaguem os vestígios para entender o que sobrou.
Estar em casa não é equivalência para voltar. Voltar é não estou. Voltei sem ter chegado. É preciso respeitar o espaço do ainda não.
A água que molhou os meus cabelos no banho que acabo de tomar tem o cheiro do encanamento do prédio onde moro, mas meus órgãos internos ainda são feitos da água que existia do outro lado do oceano no tempo em que estive lá. Ontem. Quase hoje. Amanhã um pouco mais. Cada dia um pouco menos até ser outra vez.
Cruzar um oceano é não sucumbir ao pânico de se perder.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
google maps diary - Dallas/A 380 - Decatur
terça-feira, 4 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
google maps diary
O que era para ser uma rápida travessia pelo estado do Texas, acabou se transformando em uma estadia que ainda não sabemos até quando irá se prolongar. Não sei se tenho condições de tentar te explicar como foi que tudo aconteceu. Sei lá. Foi mais ou menos assim:
Após atravessar Dallas estávamos exaustos. O Texas já era parte da nossa vida e os restos da noite passada em Jacskon foram deixados na privada daquela lanchonete. Dois senhores de camisa xadrez entraram no banheiro quando eu saí e não posso negar que não senti um pouco de vergonha por ter vomitado latinamente dentro daquele banheiro texano. Sentei na mesa e ele já havia pedido nhoque para nós dois.
- Tu já comeu nhoque texano?
- Nem.
- Então pq tu pediu?
- O que?
- Por que tu pediu nhoque no Texas.
- Pq é a tua comida preferida e pq a gente ta precisando de carboidrato. De glicose. A noite de ontem foi foda, man.
- Mas comer nhoque no Texas não tem. É que nem. Que nem comer sushi em Lajeado.
- Eu perguntei qual era o carro chefe e ela disse que o carro chefe era nhoque com tomate fresco.
A gente estava no Texas. Bem ou mal a gente estava no Texas e a nossa primeira refeição tinha sido o melhor e mais barato nhoque que já comera em minha vida. Sempre almoçar em postos de gasolina com caminhões estacionados em volta. Segundo meus pais, os caminhoneiros eram os que melhor conheciam a estrada, seus melhores restaurantes, a gasolina menos adulterada, o banheiro mais limpo com os chuveiros mais quentes.
Seus pais podem estar mortos, contanto que você tenha como voar, tudo está certo.
Acumulávamos milhas pois já estávamos nos acostumando a elas, assim como também estávamos nos acostumando àquele sotaque tão familiar para nós. Vimos os filmes certos, ouvimos as musicas certas e assim, acabamos por chegar também ao lugar certo. Falar texano era o jeito mais fácil. O jeito mais fácil de ser. De se fazer diferente aí nesse país onde tu tá agora.
Logo após o almoço fomos cochilar no carro. É sabedoria do viajante saber descansar nas horas certas: depois do almoço e no final do dia. É sabedoria do colono evitar o sol nos horários de maior atividade e sonhar um pouco assim que ele se põe. É sabedoria natural descansar depois da principal refeição e sonhar após a hora mais bonita do dia. Fazemos desses nossos únicos rituais sagrados para essa viagem. Dois cochilos diários. De resto, pode tudo. Basta manter esses dois cochilos para que todo o organismo se habitue a funcionar do jeito certo. A ressaca fazia ele roncar alto no banco do motorista, ao lado do meu. Minha barriga estava quieta. Concentrada em digerir o nhoque. O sol não desenhava nenhuma sombra inclinada sobre o chão arenoso. O sol estava à pino, como falam aí no sul. O sol derretia o asfalto da I 30 W, a maior distancia entre Jackson e o Dallas, onde estávamos naquela tarde de domingo. O sol derretia a lataria do carro e a brisa que soprava era morna, ajudando um pouco a derreter e a misturar toda a farinha, o queijo e os tomates frescos dentro do meu estômago. Dentro do meu estômago, mais uma merda começava a ser feita.
Um caminhão vermelho estacionou ao lado e o cheiro de borracha misturado com fumaça de diesel entrou no nosso carro. A porta do possante, como falam aí, demorou um tempo para abrir. Do outro lado da minha janela, duas botas, depois calça justa, depois camisa xadrez vermelho e azul e o cara ficou um tempo olhando para o nosso carro. Na real, o cara passou o tempo inteiro entre acender e depois pisar em cima da ponta o tempo todo olhando para nós e para o nosso Volkswagen. Eu não olhei para ele, mas através da visão periférica percebia seu vulto de frente para a nossa lataria. Não. Não era sonho. “Texas sucks”, eu pensei. Meu pensamento era, pouco a pouco, cada vez mais pensado em inglês, o que poderia ser o mesmo que estar virando eu também mais um deles e o que também significava que, pouco a pouco, eu deixava de ser um latino gaúcho vindo da cidade mais feia daquele estado perdido no sul daquele grande país feudalista onde vocês ainda moram. É questão de pouco tempo eu parar de falar e de escrever em português.
O caminhoneiro, sem mudar de posição, falava olhando para nós que agora olhávamos para ele.
- VW K70 1969 - 1974
In the early 1970s, VW was close to collapse as the company had no idea how to replace the Beetle. This was its first-ever front wheel drive car and it showed, being slow, ugly and clumsy. Sensibly, they then called in Guigiaro to design the Golf for them, and the rest is history.”
O caminhoneiro ficou olhando para nós. Meu colega se inclinou para ser melhor visto pelo texano, respondendo que “The top of the list is followed by:
number 2 - Volvo 264 1975 – 1982
number 3 - Vauxhall Ventora 1972 - 1976
number 4 - Morris Marina 1971 – 1980
number 5 - Ford Mustang II 1974 - 1978
number 6 - Ford Cortina 2000 E 1973 - 1974
number 7 - Fiat Strada 1978 - 1988
number 8 -Chrysler 180 1971 - 1981
number 9 - Austin Allegro 1973 - 1983
number 10 -Alfa 6 1979 - 1986
Meu colega tinha implantado um chip do google para usar durante a viagem e, por mais que a sua pronuncia não fosse nativa (apenas uma sugestão texana), o simples fato de ele também ter implantado um chip google, já o colocava em um patamar menos latino do que a maioria dos latinos que desarmonizavam a paisagem Texana com seus cerebros nus. O caminhoneiro perguntou onde haviamos conseguido aquele modelo. Disse que colecionava os piores carros produzidos nos anos 70 e que aquele era o número um da lista official do Google. Nós sorrimos pois sabíamos que estávamos sentados dentro de uma reliquia cultivada por poucos. Nós nos entendemos e, no fundo, comemoramos o bom de seencontrar, mesmo que em um posto de gasolina perdido entre Dallas e lugar nenhum, alguém com uma mesma vontade que a nossa: atravessar o país a bordo do pior carro produzido durante os anos setenta.
Pediu que o esperássemos almoçar.
Sem saber o que fazer, sugeri ao meu colega que testassemos a sorte: se o caminhoneiro comesse nhoque, esperaríamos. Caso contrário, seguiríamos viagem a bordo do número um, do pior carro dos anos 70: o nosso Volkswagen K70 ano 69.
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sexta-feira, 31 de julho de 2009
Google Maps Beats
Jackson não é apenas o Jackson City Hall. Eu nunca entrei no Jackson City Hall, mas visto de fora, tem cheiro de oficialidade americana e, só de passar na frente, é como se o nosso olhar fosse contaminar a pureza protestante que mantém a ordem da cidade.
Alabama. Esse lugar que eu só conhecia em música.
Todas as bandas do Vale do Taquari vão tocar “Sweet Home Alabama” em alguma hora da noite, assim como todas as rádios do Vale do Taquari vão tocar “Stairway to heaven” na madrugada. Não importa a hora, se passou da meia noite, “Stairway to heaven” vai tocar em alguma estação das rádios que pegam por lá.
Mas Alabama, Vale do Taquari e “Stairway to heaven”, nada disso faz parte do dia de hoje. Hoje eu estou em Jackson e amanhã, se tudo der certo, atravessaremos o Texas. Repetir assuntos é obrigação do companheiro de viagem e ser parceiro é só mais uma palavra para preferir estar só: eu sou parceiro de poucos.
Alguns pensam que podem trabalhar usando a força dos meus braços, usando a agilidade dos meus contatos e a criatividade do meu cérebro.
Aqui em Jackson o mundo anda no tempo de um folk dos anos noventa. Quando os velhos uivavam para o lua e os últimos suspiros das suas juventudes eram gastos em canções sem muita importância. Auto-afirmar-se é uma das muitas utilidades do folk, mas nem sempre dá certo. Hoje os coiotes envelheceram e a matilha vela a primeira geração antes do próprio fim chegar. Tudo é uma questão de tempo tanto para os que vivem em Jacskon, quanto para os que vivem em Lajeado.
Mas aqui em Jackson, ao contrário da cidade onde tu está agora, a iminência da partida é só um jeito de não pertencer.
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quarta-feira, 29 de julho de 2009
a minha vida não tem nada a ver com a sua.
terça-feira, 28 de julho de 2009
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Toca Townes van Zandt nessa tarde de sexta-feira. Finalmente coloco um ponto final no livro “Os Famosos e os Duendes da Morte” e Townes van Zandt é mais o livro do que o Dylan simplesmente pq o Townes foi para Dylan o que Dylan foi para mim e é para o livro. Hoje eu sou muito mais Townes do que Dylan. É preciso sempre descer um pouco mais. Agora eu devia subir no meu cavalo e desaparecer do mundo. É mais ou menos isso o que vou fazer. Sumir por dois meses. É fundamental ficar longe quando as coisas ameaçam acontecer. A distancia traz uma calma necessária. Não vou ficar longe daqui. Escrever sou eu. Esse blogue sou eu. E eu ainda não tenho a certeza de Townes van Zandt para cruzar as montanhas do Colorado no lombo do seu cavalo. Não gosto de celulares. Prefiro o conforto do não estar. Mas para ser Townes é preciso muito mais do que isso.
Hoje a cidade está parada. As pessoas choram na televisão e a única coisa que eu preciso fazer é a massagem que você me deu de presente. Sim. Eu recebo as suas mensagens, apesar de não respondê-las. Absorvo o que você me proporciona, mas não devolvo na mesma moeda. Nossas trocas não obedecem a nenhum padrão econômico. Dizem que é assim que as amizades operam. Você me conta sobre o sol, o sal, o calor. Você diz que quer me levar para o seu paraíso muitos quilômetros acima de onde estou. Eu leio e desligo o celular. Jamais ousaria contaminar a sua perfeição com as minhas palavras reais. Hoje você é Townes van Zandt e eu não vou te lembrar do mundo que te pertence. Que existe uma cidade feia chamada São Paulo. Que aqui os carros congestionam um passageiro por veículo. Somos a maior cidade do mundo e ainda não aprendemos a olhar para o lado. É perigoso ser carona. A corda sempre vai arrebentar no lado do mais fraco.
Se hoje eu não estivesse aqui seria uma sexta-feira com ela chegando em casa no fim do dia, gelando cervejas para assistir a novela e estocando doces para o fim de semana fazer sentido. Existe sabedoria nos rituais que se conservam com alegria mesmo cientes de que serão eternos. A sabedoria da alegria talvez seja saber que nada é para sempre. Nem minha mãe voltando para casa toda a sexta-feira. Nem meu pai fumando o cigarro enquanto ela prepara o almoço. Nem as piadas que ele lê em voz alta. Nem as mãos cortando cebolas. Nem os olhos chorando de saudade. Nada vai durar para sempre. Aproveite o que a realidade te dá. Aproveite o rosto da tua filha. Muito antes do que tu possa imaginar, ele não será mais teu pq, na real, ele nunca foi. Não há como ser as coisas que nunca foram. É complicado acreditar que o que não foi, nunca será.
O contrario disso é ele quem tenta me convencer. Sou eu que tento acreditar.
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quinta-feira, 23 de julho de 2009
terça-feira, 21 de julho de 2009
Ultimamente tenho sido confrontado a pensar em uma relação sobre a qual pouco se fala nas grandes cidades: a vizinhança. A relação íntima com os vizinhos. A literatura evidencia a solidão nas grandes cidades. “A solidão nas grandes cidades” é um termo que sempre vai me remeter aos anos noventa, quando o ser humano permitiu-se a tristeza no seu estado mais sem vergonha.
Quando as máscaras caíram, a rebeldia deu lugar à depressão. E a depressão foi o único estandarte disponível para a nossa geração consumidora de arte. Pegamos aquele lenço sujo de lágrimas e também fizemos dele a nossa bandeira. Nossos escarros internos. Sim. Naquela época vocês já haviam comido de muito abstracionismo e entender já parecia fácil o bastante para que nós não precisássemos mais nos preocupar com entender. A geração seguinte sempre nutrirá um certo desdém diante das conquistas dos seus pais.
O retrato acima é onde situo a solidão nas grandes cidades.
À medida que a solidão nas grandes cidades refletia a angustia dos metropolitanos, toda uma geração rural, aberta ao mundo pelo ócio e pelos primeiros ventos da internet, foi exposta a esse jorro depressivo produzido longe deles. Imersos nos intermináveis vazios, cada periferia era um pedaço do fim do mundo. O que vinha do outro lado do verde era soprado por ventos que tinham viajado o que nenhum de nós ousava sequer sonhar. Foi lá, no meio das plantações, que nós descobrimos os escritores mais tristes, a bandas mais depressivas e os sorrisos mais assustadores. O que estava na TV quase não nos interessava, apesar de assistirmos simplesmente para fazer parte da mesma família.
O tempo passou e eu, agarrado a uma lufada mais forte de vento, consegui ir embora.
Cheguei em São Paulo carregando nas malas toda a “solidão das grandes cidades” que eu havia acumulado durante anos morando longe do mundo. Vim preparado para distancias frias. Para olhares de desprezo e ignorância espacial. Nada com o que eu não estivesse acostumado naquela pequena cidade germânica chamada Lajeado.
Foi quando os vizinhos entraram na minha vida. Aqui, em São Paulo, foi o que os vizinhos entraram na minha vida.
O vizinho numero UM
Na verdade era uma vizinha. A dona Luzia. Fui morar no porão de uma casa e o morador da parte de cima havia me precavido sobre as perversidades de dona Luzia. Dizia ele que a vizinha gritava no meio da noite ao menor sinal de um ruído alheio. No final da primeira semana o morador de cima já era meu melhor amigo e estava empenhado em me mostrar o mundo paulistano. Eu tinha 17.
Pouco a pouco o morador de cima foi ficando bem animado e começou a chamar amigos para me conhecer. Aos poucos as portas entre a minha casa e a dele foram se esquecendo de ser fechadas e logo habitávamos os dois a mesma casa. Dona Luzia começou a ficar louca com nossa convivência ruidosa e passou a nos berrar impropérios. Nós, vingativos, decidimos fazer por merecer. Trocamos nossos turnos, passando a acordar cada vez mais tarde. As noites regadas a risadas na nossa casa e a gritos de dona Luzia na cara dela, viraram rotina. Eu, que dormia na parte de baixo em um quarto cuja janela dava diretamente para a janela da cozinha da mulher, decidi radicalizar.
Conheci uma garota meio desligada que veio morar comigo. Ela era atriz e estava sem grana. A gente ficou morando juntos com a grana que meu pai mandava. Eu com 17 e ela com 20 e a gente trepava o dia inteiro. É aí que entra o “radicalizar”. Passamos a trepar com a luz do sol na nossa cara e os olhos da Luzia espiando entre as frestas.
Os gritos da velha foram diminuindo e as madrugadas passaram a ser iluminadas por uma triste luz que vinha da cozinha da senhora. Dona Luzia havia ficado, subitamente, calma. As manhãs foram ficando cada vez mais silenciosas e ela, antes vestida em constantes trajes sóbrios, passou a fumar na varanda em frente á nossa, olhando para a ameixeira amadurecendo cada ano mais rápido. De vez em quando, quando nossos olhares se cruzavam, ela perguntava se as folhas secas que caíam da sua árvore não sujavam o meu quintal. Um dia acordei ao meio dia. Lembro que demorou algum tempo até ela finalmente aparecer na varanda, com cara de sono, um robe cor de rosa e, apoiada no batente, fumando longamente enquanto acordava para nós.
Os dias foram passando.
Um dia Dona Luzia perguntou se eu gostava de pinturas. Diante da minha afirmativa, ela entrou na cozinha pedindo que eu esperasse. Saiu trazendo um óleo sobre tela que havia pintado. Disse que resolvera aproveitar as madrugas para começar a pintar e que as luzes e as conversas que saíam das nossas janelas no meio da madrugada, faziam um tipo de companhia com a qual ela aprendia a se acostumar. Sua única reclamação sobre as madrugadas que agora ela também atravessava acordada, era de que dormir tarde a obrigava acordar também tarde: - sempre que eu me acordo tarde eu me sinto uma menina cabulando aula?
Dona Luzia além de me mostrar o desenvolvimento do seu trabalho como artista plástica, também me presenteava com guloseimas que preparava afim de suportar as tardes vazias sem nada para fazer. Bolos, bolachas de manteiga, pães embrulhados em um papel alumínio cuja temperatura levemente quente eu nunca vou esquecer, assim como nunca vou esquecer o cheiro do pão saindo do forno à lenha no fim de uma tarde de inverno no quintal da minha avó materna. Lajeado é uma cidade germânica.
Aos poucos, sons tristes passaram a ecoar de um piano. Percebendo que as melodias saíam da janela de Luzia, decidi tomar sol no meu quintal e desfrutar dos acordes daquela estranha canção tocada pela vizinha. As notas que escorregavam para fora da janela eram cartões postais do seu estado de espírito. Eu gostava quando ela tocava alguma balada dos Beatles. Eram versões simples e delicadas. Quase contidas. Como uma menina cabulando aula, ela permitia interromper uma execução pela metade. Ou emendar notas que não diziam respeito à mesma musica.
Em uma de nossas conversas na madrugada, pois agora era assim, conversávamos de madrugada nas pausas para o cigarro tentando enxergar as estrelas nos poucos metros quadrados de céu que nossos pequenos quintais dispunham. Ela, pausando a sua pintura, eu pausando os meus textos, fumávamos juntos no quintal separados por um muro. Conversávamos sobre saudade. Sobre a solidão nas grandes cidades. Ela confessou que nunca havia andado de metrô pois tinha muito medo. Disse que era professora de piano e, vendo os meus olhos, ofereceu-se para me ensinar. Sem cobrar. Apenas pelo prazer de ensinar um instrumento.
Depois disso eu fui embora. Mudei de casa. De vez em quando passo na frente da casa da dona Luzia e penso em tocar a sua campainha para saber se ela ainda mora lá, se ela ainda está viva, se ainda teríamos um para para bater, um cigarro para fumar e uma xícara do café que ela fazia. Que talvez ainda faça. Quem sabe sentar no seu piano para ver se ainda lembro dos acordes da única canção dos Beatles que eu consegui aprender nos meses de aulas semanais, tardes sem perspectiva e uma vida ainda esperando por mim.
segunda-feira, 20 de julho de 2009

Os dias têm sido frios e um pouco mais estáveis aqui em São Paulo. Talvez essa estabilidade se deva á aproximação de mais uma partida. Daqui há muito pouco tempo vou para longe de novo. Como as massas de ar quente e frio, eu também intercalo os espaços que habito. Sou a massa, não o terreno. O vento do acaso é quem manda no meu itinerário. Dependo de forças da natureza para continuar existindo. A iminência da partida torna a cidade menos feia. Na iminência da partida a próxima vez pode ser que não exista. Na proximidade do último é que as coisas adquirem beleza.
domingo, 19 de julho de 2009
Tenho uma certa dificuldade para aceitar a mudança de hábitos. Mudar os hábitos, aos trinta, pode, perigosamente, ter o mesmo significado que aceitar envelhecer. Aceitar que a velhice chegou com tanta força há ponto de modificar os meus hábitos.
É estranho não gostar, e mais estranho ainda não precisar sair à noite. Quando eu era adolescente imaginava que sempre teria vontade de estar em alguma festa, em algum bar, em alguma rua, afundado em algum copo. Beijando alguma boca. Apaixonado pelo impossível. Não entendia as pessoas dentro dos seus carros voltando cedo para as suas casas. Não entendia como aquelas pessoas de quase trinta conseguiam reprimir as vontades que eu sentia. Não entendia que as vontades não precisam ser reprimidas para que possam mudar. Ser jovem eram não precisar entender o conforto do silêncio.
Hoje eu prefiro ficar atento ao ponto da batata no forno da cozinha. À quantidade de pimenta na sopa de gengibre. Ao timbre aveludado de uma canção antiga girando na vitrola. Até um disco do João Gilberto eu comprei. A vida doméstica é só mais um subterfúgio para aceitar-se velho. Ninguém chega aos trinta impunemente.
Crescer não é perigosos. Perigoso é envelhecer. Perigoso não é ser nostálgico. Perigoso é sentir saudade eterna.
Ontem a Cat Power bebeu chá durante todo o show. Ontem não foi perigoso envelhecer. Talvez não seja nunca mais. Pensei na Fram e na Tuane. E senti saudade de ser bonito.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
O tempo está andando rápido demais e algumas pessoas estão tendo muita dificuldade para acompanhar as transformações. É difícil compreender o essencial: nada é tão importante assim.
Eu entendo a demora de alguns. Os vencedores não sacam que primeiro, antes de tudo, é preciso entender-se um perdedor. Só assim as vitórias terão alguma importância.
Vencer todos os dias não vale à pena. É pesado demais.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
segunda-feira, 13 de julho de 2009
domingo, 12 de julho de 2009
Existem fases da vida em que todas as pendências parecem entrar, pouco a pouco, na sua zona de resolução. Se Hamlet dizia que estar pronto é tudo, eu devo continuar acreditando no contrário.
É só uma questão de ponto de vista. E de saco cheio com as opiniões dos outros.
Todos mundo gosta de quase todos os filmes. Todo o mundo elogia o livro que lê. Todo o domingo a praça Roosevelt é a capa da folha de são Paulo. Todos gostam das musicas que ouvem. Às vezes sinto um profundo nojo desse senso comum idiota e estúpido. Mas logo passa.
Noticias chegam de todos os lados: escutar é apenas uma questão de escolha. Às vezes só precisamos ficar quietos. Devíamos ficar mais. Cada vez mais. É fundamental a sensação de um passo antes da inexistência. Calmos também devíamos ficar. É fundamental a sensação de um passo antes da calma.
São Paulo agora é, cada vez mais, a minha cidade. São Paulo é a metrópole do futuro. Aqui também existe um sol, mas, como não posso sonhar com espetáculos exclusivos dele para mim, procuro alguma coisa que apenas eu consiga perceber. Só assim me sinto vivo. A paisagem natural da maior cidade da America do Sul sempre contém muito mais pessoas do que meus olhos são capazes de suportar. Assim como o céu gaúcho quase não cabe no olhar, a quantidade de pessoas dentro de um só prédio é impossível de exatidão. Assim como o mar de Arroio do Sal tem a costa mais infinita do estado, a quantidade de pessoas descendo as escadas rolantes do metrô consolação às seis horas da tarde é impossível de exatidão. Quantos metrôs cúbicos a lagoa dos Patos é capaz suportar?
O alto do terraço Itália é o encontro entre dois mundos. Entre dois pânicos. Todos os excessos latem no alto do terraço Itália. Ninguém entende o meu medo quando, eventualmente, estamos naquele lugar. Ninguém ouve os latidos ameaçadores da grande cidade ecoando pelo vento frio da noite de inverno.
É preciso ser natural em relação às pessoas para que os olhos possam descansar sobre uma paisagem natural em São Paulo. Os mendigos precisam ser poças sujas, desvios, apenas uma questão de não olhar. É preciso cuidado para não trazer as sujeiras da rua para o chão da nossa casa. Os obesos são vacas que, de vez em quando, aparecem em alguma curva da estrada atrapalhando a passagem. As pessoas bonitas são os passarinhos cortando o horizonte. Apenas o inatingível. O cara que rouba a carteira do indefeso é a cobra tomando sol esperando alguém passar. É preciso maldade para existir.
Existem fazes em que um só dia te empurra para picos máximos de euforia e, logo depois, para o vale profundo de uma depressão. É normal a preguiça na hora de subir a montanha uma outra vez. Descer é sempre o ponto final de qualquer escalada. Subir uma montanha pode ser simplesmente uma sucessão de esforços sem nenhum sentido aparente. A mochila carregada de agasalhos para a noite no alto é um peso que poderia ser evitado se decidíssemos continuar parados. Os galhos batendo no rosto podem não ser o exato oposto de enxergar até o fim a utilidade de cada planta. Os precipícios onde se quase morre. A planície no topo de tudo. A liberdade da parte mais alta. Ver o mundo acontecendo lá embaixo, longe de tudo, como um infinito tapete abstrato feito de estradas, plantações e vilarejos. É bom subir, mas nunca se deve permanecer tempo demais lá no alto. As noites costumam ser frias demais e os latidos da cidade não te deixarão dormir.
A função de uma epifania nem sempre é acontecer.
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