segunda-feira, 3 de agosto de 2009

google maps diary

O que era para ser uma rápida travessia pelo estado do Texas, acabou se transformando em uma estadia que ainda não sabemos até quando irá se prolongar. Não sei se tenho condições de tentar te explicar como foi que tudo aconteceu. Sei lá. Foi mais ou menos assim:

Após atravessar Dallas estávamos exaustos. O Texas já era parte da nossa vida e os restos da noite passada em Jacskon foram deixados na privada daquela lanchonete. Dois senhores de camisa xadrez entraram no banheiro quando eu saí e não posso negar que não senti um pouco de vergonha por ter vomitado latinamente dentro daquele banheiro texano. Sentei na mesa e ele já havia pedido nhoque para nós dois.

-       Tu já comeu nhoque texano?

-       Nem.

-       Então pq tu pediu?

-       O que?

-       Por que tu pediu nhoque no Texas.

-       Pq é a tua comida preferida e pq a gente ta precisando de carboidrato. De glicose. A noite de ontem foi foda, man.

-       Mas comer nhoque no Texas não tem. É que nem. Que nem comer sushi em Lajeado.

-       Eu perguntei qual era o carro chefe e ela disse que o carro chefe era nhoque com tomate fresco.

 

A gente estava no Texas. Bem ou mal a gente estava no Texas e a nossa primeira refeição tinha sido o melhor e mais barato nhoque que já comera em minha vida. Sempre almoçar em postos de gasolina com caminhões estacionados em volta. Segundo meus pais, os caminhoneiros eram os que melhor conheciam a estrada, seus melhores restaurantes, a gasolina menos adulterada, o banheiro mais limpo com os chuveiros mais quentes.

Seus pais podem estar mortos, contanto que você tenha como voar, tudo está certo.

Acumulávamos milhas pois já estávamos nos acostumando a elas, assim como também estávamos nos acostumando àquele sotaque tão familiar para nós. Vimos os filmes certos, ouvimos as musicas certas e assim, acabamos por chegar também ao lugar certo. Falar texano era  o jeito mais fácil. O jeito mais fácil de ser. De se fazer diferente aí nesse país onde tu tá agora.

Logo após o almoço fomos cochilar no carro. É sabedoria do viajante saber descansar nas horas certas: depois do almoço e no final do dia. É sabedoria do colono evitar o sol nos horários de maior atividade e sonhar um pouco assim que ele se põe. É sabedoria natural descansar depois da principal refeição e sonhar após a hora mais bonita do dia. Fazemos desses nossos únicos rituais sagrados para essa viagem. Dois cochilos diários. De resto, pode tudo. Basta manter esses dois cochilos para que todo o organismo se habitue a funcionar do jeito certo. A ressaca fazia ele roncar alto no banco do motorista, ao lado do meu. Minha barriga estava quieta. Concentrada em digerir o nhoque. O sol não desenhava nenhuma sombra inclinada sobre o chão arenoso. O sol estava à pino, como falam aí no sul.  O sol derretia o asfalto da I 30 W, a maior distancia entre Jackson e o Dallas, onde estávamos naquela tarde de domingo. O sol derretia a lataria do carro e a brisa que soprava era morna, ajudando um pouco a derreter e a misturar toda a farinha, o queijo e os tomates frescos dentro do meu estômago. Dentro do meu estômago, mais uma merda começava a ser feita.

Um caminhão vermelho estacionou ao lado e o cheiro de borracha misturado com fumaça de diesel entrou no nosso carro. A porta do possante, como falam aí, demorou um tempo para abrir. Do outro lado da minha janela, duas botas, depois calça justa, depois camisa xadrez vermelho e azul e o cara ficou um tempo olhando para o nosso carro. Na real, o cara passou o tempo inteiro entre acender e depois pisar em cima da ponta o tempo todo olhando para nós e para o nosso Volkswagen. Eu não olhei para ele, mas através da visão periférica percebia seu vulto de frente para a nossa lataria. Não. Não era sonho. “Texas sucks”, eu pensei. Meu pensamento era, pouco a pouco, cada vez mais pensado em inglês, o que poderia ser o mesmo que estar virando eu também mais um deles e o que também significava que, pouco a pouco, eu deixava de ser um latino gaúcho vindo da cidade mais feia daquele estado perdido no sul daquele grande país feudalista onde vocês ainda moram. É questão de pouco tempo eu parar de falar e de escrever em português.

O caminhoneiro, sem mudar de posição, falava olhando para nós que agora olhávamos para ele.

-       VW K70 1969 - 1974
In the early 1970s, VW was close to collapse as the company had no idea how to replace the Beetle. This was its first-ever front wheel drive car and it showed, being slow, ugly and clumsy. Sensibly, they then called in Guigiaro to design the Golf for them, and the rest is history.”

 

O caminhoneiro ficou olhando para nós. Meu colega se inclinou para ser melhor visto pelo texano, respondendo que “The top of the list is followed by: 

number 2 - Volvo 264 1975 – 1982 

number 3 - Vauxhall Ventora 1972 - 1976

number 4 - Morris Marina 1971 – 1980 

number 5 -Ford Mustang II 1974 - 1978

number 6 - Ford Cortina 2000 E 1973 - 1974
 

number 7 - Fiat Strada 1978 - 1988

number 8 -Chrysler 180 1971 - 1981

number 9 - Austin Allegro 1973 - 1983

number 10 -Alfa 6 1979 - 1986

 

Meu colega tinha implantado um chip do google para usar durante a viagem e, por mais que a sua pronuncia não fosse nativa (apenas uma sugestão texana), o simples fato de ele também ter implantado um chip google, já o colocava em um patamar menos latino do que a maioria dos latinos que desarmonizavam a paisagem Texana com seus cerebros nus. O caminhoneiro perguntou onde haviamos conseguido aquele modelo. Disse que colecionava os piores carros produzidos nos anos 70 e que aquele era o número um da lista official do Google. Nós sorrimos pois sabíamos que estávamos sentados dentro de uma reliquia cultivada por poucos. Nós nos entendemos e, no fundo, comemoramos o bom de seencontrar, mesmo que em um posto de gasolina perdido entre Dallas e lugar nenhum, alguém com uma mesma vontade que a nossa: atravessar o país a bordo do pior carro produzido durante os anos setenta.

Pediu que o esperássemos almoçar.

 Sem saber o que fazer, sugeri ao meu colega que testassemos a sorte: se o caminhoneiro comesse nhoque, esperaríamos. Caso contrário, seguiríamos viagem a bordo do número um, do pior carro dos anos 70: o nosso Volkswagen K70 ano 69.






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