sexta-feira, 27 de março de 2009

Anoitece. Os plátanos da cidade perdem as primeiras folhas do ano. Existem muitos plátanos na rua onde estou. É tão bonito. Tão mais bonito do que onde você está agora. No rádio toca alto uma canção antiga e a brisa que vem do rio da prata não tem nenhum cheiro de mar. O sol cai atrás do edifícios da cidade mais bonita de todas as Américas. E eu poderia pensar que valeria a pena chegar aqui. Nem que fosse apenas para escutar uma língua que não é a minha. Abri uma garrafa de vinho. Os momentos sempre podem ser um pouco melhor aproveitados. As musicas, quando não dançadas, adquirem uma aura de mistério quase igual as bocas quando nunca beijadas. Gosto de não ir nunca até o fim. Gosto de não conhecer onde termina o limite e começa o conhecido. Eu deveria estar correndo agora. Mas entre vestir o calção e sacar a rolha, preferi ficar um pouco bêbado. Eu quase sempre prefiro a felicidade a curto prazo.

A vida tem menos poesia perto dos próprios pais. Eles estão aqui. Vieram passar alguns dias comigo. Vieram querer entender o que me faz amar qualquer lugar longe deles. Não sei se eles entenderam. O que fizemos até agora foi caminhar pelas ruas comprando roupas baratas e depois sentar em algum bar e beber toda a Quilmes possível. Acabei de deixá-los em um cassino. Mais tarde vamos sair para dançar tango. Quando minha mãe saiu do taxi ela tropeçou e depois pediu que eu levasse as suas sacolas para o meu apartamento. Comprei um vestido bonito para quando você aprender a caminhar. Um daqueles vestidos que se parecem tanto com os vestidos que as crianças das fotografias antigas usavam. Um vestido preto com flores brancas pequeninas e uma fita de veludo negro. Acho que os seus olhos, em contraste com o vestido, ficarão ainda mais azuis. E a sua pele ficará ainda mais branca. Você é a menina mais bonita que eu conheço e o seu nome é Sara sem “H” no final e a sua mãe é a garota que mais se parece comigo. Mas vamos parando por aqui, antes que eu comece a fazer declarações de amor se vergonha de mim mesmo. Dá sempre um pouco de vergonha essas coisas. Principalmente depois que os efeitos passam e a realidade volta. A realidade sempre volta. Só depois de morto que não mais. Deve ser bom nunca mais precisar ser real. Deve ser bonito ir embora para nunca mais voltar. Para quem nunca quis estar aqui, a ausência é a forma mais profunda de sempre estar.

Eu tenho um monte de emails para responder, mas diante da ausência de tempo, tento resolver tudo aqui. Essa resposta é para você, que não me manda poesia e me cobra realidade. Olha garota. Quando você pensa em vir eu não vou mais estar aqui. Mas também ainda não estarei aí. Acho que não vai valer a pena você vir para cá sem mim. sinto tanto a sua falta, mas é melhor não pensar nela agora. quando vamos viajar só nós dois? Sem ninguém que nos segure? Sem ninguém que nos acorde antes mesmo de termos ido dormir? Eu não entendo como você agüenta a vida, e por isso eu tento agüentar a minha também. Por que, se você agüenta, eu também preciso agüentar. Comprei uma camiseta com listras vermelhas para usarmos na nossa viagem pela Califórnia. Talvez o ano que vem não chegue nunca, mas a roupa já foi comprada. Não venha sem mim. Faça uma loucura. Pegue um avião sozinha e me encontre no rio grande do sul e vamos passar a páscoa sem ninguém??? Sem ninguém mais??? Eu acho que se você ler esse texto aqui, você vai entender. Não vou responder seu email. Se você ler isso aqui você promete comprar na hora uma passagem para o sul do Brasil??? Promete??? Promete??? Promete??? Escreva cem vezes “vai ser verdade” que depois ninguém poderá tirar da sua cabeça aquilo que você mesma inventou.

 

Minha mãe ligou do cassino dizendo que não tem dinheiro nem para o taxi. É assim que as coisas são. Sempre vai haver uma hora em que nada mais poderá ser dito. As fichas sempre podem cair nos números errados. Mas ela gargalhou do outro lado da linha, e por mais que as fichas caiam nas casas erradas, basta sorrir e encontrar alegria e entender que nada vale mais do que ter para quem ligar quando a grana chegar ao fim.

 

Combinamos de beber uma Quilmes gelada na esquina para comemorar a falta de sorte do mundo.

Eu jamais colocaria um bebedouro para beija-flores. Nem uma casinha para alimentar passarinhos. Nem jogo pão seco no laguinho do parque. Não dou comida aos pombos. Nem dinheiro para os mendigos. Quero passar pelo mundo sendo minimamente responsável por nada do que acontece dentro dele. Me deixe quietinho que eu prometo fazer de conta que eu não existo.

 

E por hoje já chega de exposição. Take advantage of the season.

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